Nove países têm armas nucleares e nunca pareceu tão óbvio perguntar qual será o próximo. Foi o tema de recente podcast da Chatham House, centro britânico de estudos em política internacional.
As grandes e médias potências nuclearizadas são os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (EUA, Rússia, China, França e Reino Unido) e mais Índia, Paquistão, Coreia do Norte e Israel.
Mas a fila nunca cresceu tão rapidamente desde o final da Guerra Fria, no início dos anos 1990, diz a entidade. E por conta de um acúmulo de fatores infelizes.
Robert Kelly, cientista político da universidade sul-coreana de Busan, acredita paradoxalmente que a próxima bomba virá do país em que leciona. Para chegar a tanto, o raciocínio é tortuoso. O governo de Seul teme a vitória de Donald Trump nas presidenciais americanas. Isso tornaria os aliados americanos da Ásia menos protegidos, o que acentuaria a tendência de a Coreia do Sul cogitar a bomba para se contrapor às ogivas nucleares já construídas pela Coreia do Norte.
Mas os norte-coreanos são pobres de habilitação diplomática. Não se sabe como se comportariam em caso de crise real. Se nuclearizaram ao passar por cima das ofertas generosas dos Estados Unidos para obterem mais comida e evitarem novas crises da fome. E têm uma dificuldade tática de peso. Contra a Coreia do Sul, não teriam tempo para um segundo tiro nuclear. O inimigo estaria muito próximo e o revide seria certamente imediato.
Tal cenário afetaria também o Japão, onde o tabu antinuclear é fortíssimo por razões históricas. Mas o país pode cogitar a bomba caso os EUA retirem o guarda-chuva de proteção nuclear que colocou sobre seu território. É mais uma vez a hipótese Trump que entra em jogo.
Mas com uma retórica muito cuidadosa. Ainda há dias o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, discursou contra a banalização do tema da bomba, levando muitos a esquecer de que, em circunstâncias reais, seu país foi o único a ainda hoje trazer as cicatrizes de duas explosões em 1945.
Mas o fator mais remoto que levou ao crescimento da fila dos candidatos à bomba foi o abandono, pela Rússia, da velha estratégia da dissuasão, que por 45 anos orientou o “equilíbrio do terror” com os EUA. É o que diz Hanna Notte, diretora do centro de não-proliferação do Grupo Eurásia.
Ou seja, “não me ataque, e eu não te atacarei também, e se nos atacarmos nos destruiremos mutuamente em escala planetária.”
Já no amadurecimento à Guerra da Ucrânia, estrategistas do Kremlin passaram a enxergar a bomba atômica como arma ofensiva (e não apenas para se defender de inimigos), o que acaba mexendo perigosamente no tablado do equilíbrio nuclear.
Com isso, a Rússia muda o mapa da hipotética guerra na Europa. Não que a Otan, a aliança militar ocidental, também adote a ofensiva. Mas ela deixou de teorizar sobre ser ou não a primeira a explodir a bomba. O conflito da Ucrânia gerou essa confusão.
Outra participante do podcast, Patricia Lewis, especialista em segurança internacional da Chatham, cita o exemplo óbvio do Irã como o próximo candidato à bomba. Mas, no entanto, com sérios senões. Ela acredita que há indícios de que aquele país quer mais fazer terrorismo psicológico do que agredir seus vizinhos muçulmanos.
Caso chegue à bomba, o Irã forçaria imediatamente a Arábia Saudita, sua rival regional, em sentido idêntico. Nesse jogo de empate também entrariam –mas sem a bomba– as forças tradicionais da Turquia. Faz sentido, mesmo se as evidências hoje indiquem que o Irã prefere ter a bomba para amedrontar Israel, há décadas também um país nuclearizado, embora nunca tenha admitido tê-la.
O Irã é um caso curioso de emergência regional. Derrotou o Iraque, seu rival histórico, com a ajuda indireta da guerra movida pelos EUA contra a ditadura de Saddam Hussein. Aliou-se ao Líbano por meio do Hezbollah e dos palestinos por meio do Hamas. Mas atingir seu objetivo maior –destruir Israel— exige um cacife militar que os iranianos não têm. Além do mais, convém mais uma vez lembrar, Israel também tem a bomba.
Os participantes do podcast alertaram para os planos anunciados pela Rússia –e que contradizem tratados internacionais– de colocar bombas atômicas na órbita da Terra. Para os estrategistas do Kremlin isso seria ganhar tempo. Não precisam disparar um míssil em caso de retaliação.
Mas para o Ocidente isso é uma tragédia cantada. Mísseis se misturariam às áreas altamente magnetizadas dos satélites de comunicação e tornariam um desastre acidental bastante provável.