De forma discreta, as Nações Unidas começaram a divulgar duas contagens de mortos pela ofensiva israelense na Faixa de Gaza: uma com o número total de óbitos divulgado pelo escritório de imprensa do Hamas e outra do Ministério da Saúde local, também controlado pela facção terrorista, que considera apenas as vítimas cuja identificação foi checada e confirmada.
Chama a atenção o fato de que há 10 mil pessoas sem informações completas, o que faz o número de crianças e mulheres registradas como mortas cair praticamente à metade nesta nova contabilidade.
O Ocha (Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários) publica relatórios atualizados de mortes em Gaza às segundas, quartas e sextas. No boletim número 164, divulgado na sexta passada (10), o escritório citava apenas um número geral, atribuído ao Ministério da Saúde, de 34.904 palestinos mortos desde 7 de outubro (dia do início da guerra após os ataques terroristas contra Israel) até 9 de maio.
Na segunda (13), o relatório seguinte, de número 165, passou a trazer as duas contagens. Primeiramente, cita que o Escritório de Imprensa do Governo de Gaza (GMO) “reporta que o balanço geral de vítimas supostamente inclui mais de 14 mil crianças e 9 mil mulheres”.
Na sequência, o Ocha diz que o Ministério da Saúde de Gaza “documenta a identificação completa de vítimas e publicou recentemente o destrinchamento de 24.686 dentre 34.622 fatalidades para as quais há dados completos até o dia 30 de abril”. Desses 24.686 (ou seja, 10 mil a menos que o número geral), de acordo com a pasta, 7.797 seriam crianças; 4.959, mulheres; 1.924, idosos; 10.006, homens.
De acordo com o boletim, o processo de documentação está em curso por parte do Ministério da Saúde. E um asterisco leva a uma nota de rodapé com a seguinte observação: “Asteriscos indicam que um dado, sentença ou trecho foi retificado, adicionado ou revertido depois da publicação inicial desta atualização”.
“Há cerca de 10 mil corpos que ainda precisam ser totalmente identificados”, disse ao New York Times Farhan Haq, porta-voz da ONU, na segunda-feira (13). “Os detalhes desses —quais são crianças, quais são mulheres— serão restabelecidos assim que o processo de identificação completo for concluído.”
Haq disse que as Nações Unidas confiam nos dados provenientes do Ministério da Saúde, como fizeram “em todos os conflitos anteriores”. Segundo ele, a ONU começou a usar números do escritório de imprensa de Gaza porque houve uma pausa na divulgação da Saúde. Agora que o relatório de vítimas da pasta voltou a ser divulgado online, a ONU tornou a usar suas informações.
Funcionários internacionais e especialistas que monitoram a forma como o Ministério da Saúde verifica as mortes em Gaza –recorrendo a necrotérios e hospitais em todo o território– dizem que seus números são geralmente confiáveis.
Apesar disso, esta mudança nos números da ONU —e a confusão sobre a discrepância— intensificou o debate sobre a credibilidade dos dados das vítimas divulgados pelas autoridades de Gaza.
As mortes de mulheres e crianças são vistas como uma indicação importante, embora incompleta, de quantos civis foram mortos, uma questão que está no cerne da crítica à conduta de Israel na guerra.
O que Israel e outros críticos dizem?
Autoridades israelenses dizem que estão desconfiadas da contagem do Ministério da Saúde de Gaza. Um porta-voz do Exército, tenente-coronel Nadav Shoshani, afirmou que a pasta não faz distinção em seus números entre membros do Hamas e civis.
Depois que as Nações Unidas divulgaram um número menor de mortes documentadas para mulheres e crianças, o ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, chamou os novos números de “a ressurreição milagrosa dos mortos em Gaza”, dizendo que as Nações Unidas haviam se baseado em “dados falsos de uma organização terrorista”.
Ex-secretário-assistente de Estado, o conservador Elliott Abrams escreveu em um artigo para o Conselho de Relações Exteriores que está se tornando “cada vez mais claro que esses números representam propaganda do Hamas”.
No entanto, os números citados pelo primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, não são drasticamente diferentes dos usados pelas Nações Unidas. Ele disse na semana passada que as forças israelenses mataram cerca de 14 mil terroristas do Hamas e 16 mil civis, totalizando cerca de 30 mil, sem esclarecer a fonte dessa contabilidade.
Os novos números de vítimas são considerados críveis?
Como sinal de que o governo dos Estados Unidos considera os números de vítimas fornecidos pelas autoridades de saúde de Gaza como confiáveis, o presidente Joe Biden citou o total de mortos em seu discurso do Estado da União em março. As Nações Unidas publicam a contagem em um site, e representantes da organização se referem a eles com frequência.
Algumas semanas atrás, o Ministério da Saúde divulgou uma série de relatórios detalhados explicando como compila os números de vítimas. Também já publicou uma lista de nomes, idades e números de identificação dos mortos. Pesquisadores da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres analisaram esses dados, em um relatório publicado em novembro no The Lancet, e não encontraram “nenhum motivo óbvio para duvidar da validade dos dados”.
Como são compilados os números de vítimas?
Especialistas internacionais que trabalharam com autoridades de saúde em Gaza durante esta e outras guerras afirmam que hospitais e necrotérios do território palestino coletam e relatam os nomes, números de identificação e outros detalhes das vítimas.
Essa contagem exclui milhares de pessoas relatadas nos hospitais como desaparecidas, mas que se acredita estarem enterradas sob os escombros; estas são contadas como mortas apenas quando seus corpos são encontrados.
O escritório de imprensa de Gaza tem fornecido consistentemente um total de mortos semelhante ao dado pelo Ministério da Saúde, mas com números diferentes e muitas vezes mais altos para vítimas mulheres e crianças.
Ismail Al Thawabateh, diretor-geral do escritório, disse em uma entrevista que o Ministério da Saúde listava e categorizava um indivíduo como morto apenas quando todos os seus detalhes eram documentados e verificados por um parente. Ele não explicou por que seu escritório usa uma divisão de mulheres e crianças com base no número total de mortos.