Meu Zé, disse ele. Meu Dino, respondi. Tínhamos falado por telefone umas semanas antes e ainda não tinha conhecido pessoalmente o Dino D’Santiago, mas logo no momento em que nos encontramos percebi que éramos já irmãos.
Bienal, Kizomba, Casa de Portugal e de Francisca. Slam SP. The Town. Na primeira semana de setembro, a cidade de São Paulo, sempre na frente da criação de tendências em língua portuguesa, convocou-se sede de todos os eventos e berço desse nosso novo conceito: irmãos de língua.
Dino D’Santiago, Indi Mateta, Jonathan Fer, Kadi. Ibirapuera, Pinheiros, 24 de Maio, Centro, Jardins, Zona Leste, Liberdade, Interlagos. Todas as propostas de todos os feitios, todos os ritmos, tamanhos encontros, na nossa língua.
Babel cultural, megalópole, skyline infinito, casa de pessoas. Por vezes, São Paulo consegue se constituir sede de tudo, capital inequívoca da diversidade, farol do sul global, centro do mundo. E da língua.
Passava de 1h quando Tom Farias me ligou. Fiquei em casa trabalhando até tarde, em um dos projetos mais entusiasmantes da Associação Portugal Brasil 200 anos e que hoje ocupa mais de 80% do meu tempo.
Em 2024, celebram-se 50 anos desde que os militares portugueses, fartos da guerra na África, derrubaram o regime fascista que governava Portugal desde 1926. Essa revolução, feita de cansaço e cravos, é a mãe do Portugal moderno que o Brasil hoje ama. (Mas essa é outra história).
Venha! Estamos no Athenas, disse Tom. O entusiasmo ficou ainda maior e fui. Mas eu não esperava o significado daquele “estamos”. Augusta consolação foram aqueles amigos que encontrei na mesa do grego paulista. Irmãos de língua.
Fiquei ao lado do Dino, na mesa que me acolheu com alegria naquela madrugada fresca de fim de inverno, noite de estreia do festival Kizomba Design Museum que haveria de trazer a cultura africana para o centro de São Paulo nos três dias seguintes.
Disse-lhe que a casa da cidadania da língua se inaugura no próximo dia 12 de outubro em Coimbra e que lá, na cidade mais antiga do conhecimento em língua portuguesa, havia ventos novos que querem discutir o futuro com o sul. Norte e sul em igualdade. E ele disse: “Quero ir! A cidadania da língua é a nossa cena, meu José.”
O que me faz irmão de alguém é mais que compartilhar progenitores. O que nos faz irmãos de outrem é copertencer a uma realidade que existe para além das condições de enunciação; que tem cumplicidades comuns no passado e pertencimentos não programados no futuro.
A mobilidade global e geografia cada vez mais desmaterializada modelam hoje novos conceitos de cidadania e transformam definitivamente a natureza das relações humanas. Os irmãos já não são apenas de sangue ou de obediência. Hoje os irmãos são também de língua.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.