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Eleições EUA: Cinismo de Trump é sua força política – 29/04/2024 – Ross Douthat

Para qualquer pessoa com convicções sinceras e absolutas sobre o aborto, as tentativas de Donald Trump de se reposicionar sobre o tema devem ser algo entre deprimentes e enfurecedoras.

Para os antiaborto, o problema é o cinismo —o lembrete de que Trump é puramente oportunista em sua relação com seus ideais, um péssimo porta-voz pela causa da vida humana não nascida e um traidor disposto quando a política exige.

Para os defensores dos direitos ao aborto, o problema é a audácia —o homem que fez tanto para reverter Roe vs. Wade [a decisão judicial que garantia o acesso ao procedimento em âmbito federal] tentando se desvincular da responsabilidade por suas consequências políticas.

Mas o cinismo de Trump também é uma de suas forças políticas. O que ele faz de forma grosseira, com cálculos nus e transparência cômica, é o que políticos bem-sucedidos costumavam fazer mais normalmente: triangular entre sua base e o público em geral, fazer movimentos chamativos para tranquilizar os eleitores indecisos de que você não é apenas um ideólogo, sugerir que está disposto a negociar quando a opinião pública está contra você.

Trump frequentemente faz isso com simbolismo em vez de substância, com enquadramentos desonestos de seu próprio histórico e inovações políticas prometidas que na verdade não se materializam. Mas ainda assim, ele faz isso o tempo todo, não apenas em questões sociais como o aborto.

O público não gosta de sua oposição ao Obamacare? Logo em seguida ele promete consertar o programa em vez de acabar com ele. Eleitores moderados parecem inquietos com a guerra de Israel na Faixa de Gaza? Lá está Trump, o Sr. Israel em seu primeiro mandato, de repente soando notas de cautela e preocupação.

O que não é negociável com Trump são suas queixas pessoais, seu amor-próprio, suas narrativas de fraude eleitoral, seu estilo autoritário. Esse tipo de intransigência é sua principal fraqueza política (além de ser uma fonte de perigo para o país). Mas em termos de política, ele está sempre pronto para agir de forma flexível, mesmo que não haja um plano claro por trás da pose.

Isso sempre foi um contraste em relação a políticos republicanos mais doutrinários, o que é parte do motivo pelo qual Trump os derrotou em 2016 e novamente em 2024. Mas também é um contraste com Joe Biden. Não com o Biden do passado, que construiu uma carreira longa e bem-sucedida como democrata moderado que podia ser confiável para irritar as pessoas à sua esquerda, mas com o Biden do momento atual, que ainda se beneficia dessa marca moderada, mas luta para demonstrar independência política em relação aos ativistas de seu partido.

Em parte, Biden tem azar nos desafios que enfrenta. O lugar onde ele claramente está tentando fazer uma triangulação, a guerra Israel-Hamas, divide sua própria coalizão de uma maneira que faz com que todo possível equilíbrio irrite mais pessoas do que agrada.

Mas sua administração também consistentemente perdeu oportunidades mais plausíveis de alcance. Você vê isso em questões como aborto e transições de gênero na juventude. A fé católica de Biden deveria torná-lo um mediador natural, mas suas dúvidas pessoais sobre o aborto não têm substância política desde que ele abandonou seu apoio à Emenda Hyde [lei que proíbe o uso de verbas federais para pagar por custos de abortos], e ele se posicionou à esquerda da Europa secular em questões de transexualidade.

Você vê isso na imigração. Biden está apenas agora considerando uma ordem executiva semelhante à de Trump sobre travessias na fronteira, vários anos após o início da crise migratória.

E você vê especialmente em questões ambientais, onde a Casa Branca reluta em colocar qualquer distância clara entre si e os ativistas climáticos. Em energia e automóveis, Biden poderia estar fazendo o equivalente aproximado do que Trump está fazendo no aborto. Depois de ter feito investimentos verdes sem precedentes da mesma forma que Trump acabou com Roe vs. Wade, ele poderia agora passar a maior parte do tempo promovendo o boom energético dos EUA enquanto promete à maioria dos americanos que eles não serão obrigados a ter um carro elétrico.

Em vez disso, ele tem [o secretário de Transportes] Pete Buttigieg, ele mesmo o tipo de político falante e habilidoso que deveria ser bom na triangulação, indo à Fox News e comparando céticos de veículos elétricos com pessoas que preferiam telefones fixos a celulares 20 anos atrás.

“Se você gosta do seu carro a gasolina, pode ficar com ele” é uma formulação simples e politicamente eficaz. No entanto, de alguma forma, a administração Biden acabou com “Se você gosta do seu carro a gasolina, você é um antiquado desinformado” em vez disso.

Uma explicação para esse padrão é que a Casa Branca de Biden é composta por ideólogos progressistas que não têm instinto para a moderação e não dão liberdade suficiente ao seu chefe idoso para manobrar.

Outra explicação é que a equipe de Biden tem um medo mortal do impulso progressista em direção à autossabotagem, à disposição das facções de esquerda de se absterem das eleições ou votarem em protesto.

Eu não acho que esse último medo seja infundado. Mas a era Trump repetidamente demonstrou as limitações de uma estratégia de mobilização da base para os democratas, e há uma diferença entre estar ciente de sua base e ser seu prisioneiro.

A maior liberdade que Trump desfruta tem raízes em alguns lugares sombrios —cinismo, tribalismo conservador, uma indiferença populista aos detalhes das políticas. Mas ainda é uma liberdade que Biden precisa desesperadamente.


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Fonte: Folha de São Paulo

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