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Ouça playlist de canções que marcam a Revolução dos Cravos – 24/04/2024 – Mundo

“Esta guitarra mata fascistas.” A frase entalhada no instrumento musical de Woody Guthrie, o patriarca do country de protesto americano, impressionava a plateia, mas na realidade músicas não matam tiranos nem acabam com ditaduras.

O cantor português José Afonso, no entanto, chegou perto disso com “Grândola, Vila Morena”. Sua música mais famosa foi a senha para que, em 25 de abril de 1974, capitães do Exército de Portugal deixassem os quartéis e tirassem do poder o salazarismo, que há quatro décadas mantinha o país no atraso.

A alegria da Revolução dos Cravos atravessou o Atlântico e se ancorou na MPB, com “Tanto Mar”, de Chico Buarque. A canção acabou censurada, pois os generais que haviam dado um golpe em 1964 no Brasil ainda estavam no poder dez anos depois.

É possível contar a história do 25 de Abril português e suas repercussões do outro lado do oceano através da música. Os 50 anos da Revolução dos Cravos são um raro tipo de efeméride celebrada não apenas com eventos, mas também com playlists. Em Portugal, vários jornais, rádios e celebridades fizeram as suas.

Segue uma das possíveis trilhas sonoras da saga portuguesa em busca da democracia.

“Os Vampiros” (José Afonso)

“Se alguém se engana com seu ar sisudo/ E lhe franqueia as portas a chegada/ Eles comem tudo/ E não deixam nada”

O compositor português era capaz de versos poderosos desde o início da carreira, quando compunha trovas à moda do fado de Coimbra –e já sofria com a censura. “Tenho a honra de solicitar de V. Ex. que sejam apreendidos urgentemente os invólucros do disco de 45 RPM da autoria do dr. João Afonso (sic) que contém as canções ‘Menino do Bairro Negro’ e ‘Os Vampiros'”, diz um despacho de 16 de agosto de 1965 reproduzido pela revista portuguesa “Visão”. Em 29 de março de 1974, menos de um mês antes do 25 de abril, o próprio José Afonso, em tom de desagravo, cantou “Os Vampiros” num show antológico no Coliseu de Lisboa.

“Trova do Vento que Passa” (Adriano Correia de Oliveira)

“Pergunto ao vento que passa/ Notícias do meu país/ E o vento cala a desgraça/ O vento nada me diz”

Como José Afonso, Adriano Correia de Oliveira vivia em Coimbra. Compôs essa música sobre versos de um poema de Manuel Alegre. A música foi lançada em 1964 e ecoa involuntariamente o Bob Dylan de “Blowin’ in the Wind”, composição de 1963. Logo depois de conhecer Adriano Correia de Oliveira, Manuel Alegre partiu para o exílio e, passado o 25 de Abril, fez carreira política no Partido Socialista.

“E Depois do Adeus” (Paulo de Carvalho)

A música venceu o Festival da Canção da Rádio e Televisão Portuguesa (RTP) em 1974 —e, reproduzida num programa de rádio às 22h55 do dia 24 de abril, foi a primeira senha da Revolução dos Cravos. Ao soar de seus acordes, os militares ficaram a postos. É uma canção romântica com harmonias que lembram as do brasileiro Taiguara. Foi escolhida por não despertar suspeitas, pois não é uma canção política. No mesmo ano, representou Portugal no festival Eurovision —e ficou em último lugar.

“Grândola, Vila Morena” (José Afonso)

A música que serviu de senha para o levante nos quartéis é inspirada no ritmo do “cante alentejano”, um estilo tradicional ainda cultivado por grupos vocais no interior de Portugal –na cidade de Serpa existe até um Museu do Cante. A música havia sido lançada num álbum de José Afonso gravado no exílio, em 1971, que seria relançado em 1974 batendo recordes de vendagem. De lá para cá foram inúmeras as regravações. Recentemente foi um dos temas da série “La Casa de Papel”, na Netflix, entoada com sotaque espanhol pela cantora pop Cecilia Krull.

“Liberdade” (Sérgio Godinho)

O mais pop e globalizado dos artistas identificados com o 25 de Abril viveu no exílio em grande parte da ditadura salazarista. Estava em Paris em maio de 1968. Lá, conforme contou à jornalista Anabela Mota Ribeiro, compôs em francês uma canção inspirada nos acontecimentos, “Le Mille et Une Nuits”, da qual não se lembra mais da letra. Escrita no ano da Revolução dos Cravos, sua música “Liberdade” encaixa as palavras “paz, pão, habitação, saúde, educação” numa levada roqueira estilo Velvet Underground. Na ativa aos 78 anos, Godinho segue em sintonia com os tempos: compôs recentemente uma canção sobre a pandemia, “O Novo Normal”.

“Tanto Mar” (Chico Buarque)

“Sei que estás em festa, pá/ Fico contente/ E enquanto estou ausente/ Guarda um cravo para mim/…/Lá faz primavera, pá/ Cá estou doente/ Manda urgentemente/ Algum cheirinho de alecrim”

Essa letra do clássico de Chico Buarque, composto em 1975, foi censurada no Brasil. Acabou lançada num compacto em Portugal, numa época em que não havia Spotify nem YouTube e era mais difícil uma música cruzar o oceano. No Brasil, era permitida apenas a versão instrumental. Mais tarde, em 1978, Chico Buarque fez outra letra para “Tanto Mar”, com os verbos no passado –o 25 de abril de 1974 já ficara para trás. O primeiro verso ficou famoso: “Foi bonita a festa, pá…”

“Alerta” e “FMI” (José Mario Branco)

Em 1975, o mesmo ano em que Chico Buarque era censurado no Brasil, a RTP fazia seu primeiro festival livre da censura. Todas as reivindicações políticas e palavras de ordem represadas em mais de 40 anos irromperam com força. No festival, José Mario Branco —cantor e produtor de vários álbuns de José Afonso, Sérgio Godinho e outros— despontou como um dos nomes mais fortes do pós-25 de Abril com este “Alerta”. Seis anos mais tarde, Branco lançaria sua música mais famosa, “FMI”, um desabafo caudaloso de 25 minutos. A sensação era de que tudo estava dito na canção de protesto portuguesa, abrindo caminho para a era de liberdade criativa que viria depois.

Fonte: Folha de São Paulo

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