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Geisel vetou apoio a general que queria invadir Portugal – 22/04/2024 – Mundo

Em 25 de março de 1974, a Revolução dos Cravos punha fim ao salazarismo, que já durava mais de 40 anos em Portugal, a ditadura mais longa da Europa.

O país começava a se reorganizar rumo a um regime democrático, mas nem tudo era festa: nos meses seguintes, ameaças internas colocariam em risco esses novos tempos, marcados por voto popular e livre expressão.

Um desses momentos em que o autoritarismo mostrou seus dentes aconteceu em 11 de março de 1975, quando paraquedistas sob o comando do general António de Spínola atacaram um regimento de Lisboa, o que seria um primeiro ato para um golpe. A mobilização fracassou, Spínola refugiou-se na Espanha e, em seguida, no Brasil.

O general não se deu por vencido. Insistia em recompor as forças para outra tentativa de tomar o poder e, três meses depois, entrou em contato com oficiais do Exército brasileiro pedindo uma colaboração imodesta: uma grande quantidade de armamentos e munições, além de uma área no interior do Brasil para treinamento de 600 homens. Tudo isso como preparativo para invadir Portugal.

Agentes do SNI (Serviço Nacional de Informação) reagiram de modo receptivo ao pedido de Spínola, mas o então presidente Ernesto Geisel respondeu enfaticamente: o Brasil não ajudaria o general. Ou seja, o penúltimo presidente da ditadura militar brasileira contribuiu para que uma nova articulação antidemocrática não fosse adiante em Portugal.

Esse episódio foi lembrado pelo historiador inglês Kenneth Maxwell na conferência sobre os 50 anos da Revolução dos Cravos no último dia 4 na USP. Ex-professor de universidades como Harvard e Yale, nos Estados Unidos, ele estuda as relações entre Brasil e Portugal há mais de 60 anos.

No caso das sondagens de Spínola no Brasil, Maxwell se baseou em cópias dos arquivos do SNI cedidas por seu amigo Elio Gaspari, colunista da Folha.

Para entender melhor o peso do não de Geisel, é preciso voltar ao início de 1974. Naquele momento, Portugal tinha cerca de 200 mil militares nas colônias na África, sobretudo em Moçambique, Angola e Guiné-Bissau. Representavam 2% de toda a população portuguesa.

“A pressão sobre o Exército era intensa, particularmente sobre os jovens oficiais, que estavam muito cansados. Era uma guerra sem fim”, diz o historiador à Folha. E, secretamente, esses oficiais organizaram o Movimento de Forças Armadas (MFA), formado principalmente por capitães.

Foram eles que, em 25 de abril, tomaram as ruas e os palácios de Lisboa, acompanhados por uma entusiasmada adesão popular e uma acanhada reação do governo.

Era um susto para Marcelo Caetano, que havia assumido o poder em 1968, substituindo o ditador António de Oliveira Salazar. O governo dos EUA, aliado de Caetano, também ficou espantado com a insurreição. Na conferência na USP, Maxwell citou Cord Meyer, então diretor do escritório da CIA em Londres: “Quando a revolução aconteceu em Portugal, os EUA tinham saído para almoçar. Foi uma surpresa total.”

Para presidir o país durante um governo provisório, foi escolhido –vejam só– o general António de Spínola, que havia sido governador de Guiné-Bissau. Ele não pertencia ao MFA, mas gozava de prestígio entre os integrantes do movimento pelas posições muitas vezes contrárias ao salazarismo e pela participação na conspiração dos capitães.

Além disso, foi a Spínola que, no dia 25, Caetano apresentou sua rendição.

Nos meses seguintes, porém, as divergências entre Spínola e o MFA se tornaram mais agudas. O general defendia um processo de descolonização progressivo enquanto os capitães preconizavam o fim imediato das guerras na África e a independência das colônias.

A posição do MFA se impôs e, em julho de 1975, os conflitos com as nações africanas foram oficialmente encerrados. Países como Angola e Moçambique se tornavam, enfim, independentes.

Além da questão ultramarina, Spínola promovia articulações para concentrar mais poder em suas mãos e, também nesse aspecto, distanciava-se dos anseios dos jovens capitães.

No final de setembro, o general buscava aliados em número suficiente para declarar estado de sítio. Como não obteve esse apoio, apresentou sua demissão do cargo de presidente da República. No seu lugar, assumiu Francisco da Costa Gomes, um general que zelava pela democracia, ao contrário do seu antecessor.

Daí em diante, Spínola se distanciou do novo regime, com posições cada vez mais radicais, o que nos leva de volta à sua tentativa de aproximação com o governo brasileiro.

Com o objetivo de invadir o norte de Portugal, segundo Maxwell, o general pediu a Geisel 34 metralhadoras, 16 pistolas, 2 fuzis automáticos com bocal lançador de granada, entre vários outros itens. O registro do SNI à época diz: “Spínola considera que, com cinco mil homens bem armados e adestrados, poderá invadir Portugal com êxito”.

“Spínola poderia ter sido o Pinochet de Portugal”, afirma o historiador sobre a hipótese do plano ter ido adiante.

No exílio, o general fundou o Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP), grupo de extrema direita cujo objetivo era combater, segundo ele, a ditadura comunista no país. O fato é que as eleições de abril de 1975 e os pleitos seguintes demonstraram que o país estava firme em seus propósitos democráticos; além disso, os comunistas ganharam fôlego após a revolução, mas eram os socialistas a corrente dominante na esquerda.

Spínola morreu em agosto de 1996. Passados 27 anos, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, condecorou, sem alarde, o general com o Grande Colar da Ordem da Liberdade.

Fonte: Folha de São Paulo

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