Por mais de quatro décadas do século 20, Portugal teve um sistema político autoritário representado pelo ditador António de Oliveira Salazar, que governou com mão de ferro em um regime conhecido como salazarismo. Sob sua liderança, a população portuguesa se viu controlada pelo que ele descrevia como um Estado tão forte que não precisava ser violento.
Também conhecido como Estado Novo, o salazarismo vigorou de 1933, com a aprovação de uma nova Constituição portuguesa, a 1974, quando foi derrubado pela Revolução dos Cravos. Foi um regime caracterizado por um forte autoritarismo, nacionalismo, conservadorismo social e econômico, e corporativismo.
Apesar da descrição de um governo que não apelava à violência, o regime ficou marcado pela repressão política, censura à imprensa e limitação das liberdades individuais. A polícia política, a Pide (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), era conhecida pela brutalidade na repressão de dissidentes e opositores políticos.
A Pide chegou a ter 20 mil agentes e 200 mil delatores. Ainda assim, o regime se baseava na tentativa de retirar a política das ruas, dos jornais e das preocupações diárias dos portugueses, buscando construir a ilusão de que o país vivia uma vida normal e sem conflitos.
Nascido em 1889, Salazar estudou na Universidade de Coimbra e se tornou professor de economia. Segundo o escritor português João Pereira Coutinho, trata-se de “um produto tipicamente português”, pois não foi um homem do Exército nem participou de agitação retórica e revolucionária das ruas. Era um acadêmico de formação católica “catapultado” ao poder pelo fracasso da Primeira República.
Ele entrou para a política em 1926. Foi nomeado ministro das Finanças em 1932 e, no ano seguinte, tornou-se presidente do Conselho de Ministros, cargo equivalente ao de primeiro-ministro. Sua chegada ao poder se deu como parte de uma reação da direita portuguesa ao período de 17 anos de instabilidade que se seguiu à deposição da monarquia e do rei Manuel 2º. Entre 1910 e 1926 foram 45 governos.
Conhecido como “ditador das finanças”, forjou seu poder com base na austeridade fiscal, na retidão moral e na mitologia colonialista do país, implementando uma série de políticas que moldaram Portugal durante décadas.
Ele consolidou seu poder e estabeleceu um regime no qual os sindicatos, as associações empresariais e outras organizações eram controlados pelo Estado. Adotou um modelo econômico baseado no protecionismo, autossuficiência e controle estatal, o que foi marcado por um desenvolvimento lento e uma distribuição desigual da riqueza.
Promoveu também uma forte política colonialista, enfrentando conflitos na tentativa de manter o domínio sobre territórios, especialmente na África. Entre 1960 e 1974, as colônias consumiam 26% do orçamento público, sendo 86% para os militares.
Apesar de ser associado a outros ditadores do século 20, como Francisco Franco, da Espanha e mesmo Benito Mussolini, da Itália, Salazar nutria um perfil mais discreto e voltado a uma pretensa intelectualidade reclusa. Segundo o jornalista italiano Marco Ferrari, biógrafo de Salazar, o português acreditava que outros governantes eram incultos e que não valia a pena perder tempo com eles. Com essa postura, evitou entrar na Segunda Guerra Mundial e não se alinhou nem com os Estados Unidos nem com a União Soviética durante a Guerra Fria.
Em agosto de 1968 Salazar sofreu um AVC e, um mês depois, impossibilitado de reassumir a chefia do governo, foi substituído por Marcelo Caetano, um dos quadros do regime.
Morreu em 1970, mas o salazarismo sobreviveria até 25 de abril de 1974, com a chamada Revolução dos Cravos, que pôs fim à ditadura. A data é uma das datas mais celebradas de Portugal até hoje.
O legado do salazarismo em Portugal é complexo e continua a influenciar diversos aspectos da sociedade portuguesa até os dias de hoje. De acordo com Coutinho, Salazar ainda é visto por uma parte da sociedade como o responsável pela “longa noite fascista” em Portugal, mas é reconhecido por outros como o homem que resgatou o país da falência econômica e política.
Cronologia do salazarismo
28.abr.1889
Nascimento de António de Oliveira Salazar
5.out.1910
Portugal torna-se uma república após a queda da monarquia
28.mai.1926
Golpe militar dissolve o Parlamento e instaura uma ditadura em Portugal
1928
Salazar é nomeado ministro das Finanças
1932
Torna-se presidente do Conselho de Ministros, consolidando-se como ditador de Portugal
11.abr.1933
A Constituição de 1933 entra em vigor fundando o Estado Novo, um regime autoritário e corporativista
3.ago.1968
Salazar sofre um AVC e deixa o cargo de presidente do Conselho de Ministros; em seu lugar assume Marcelo Caetano
27.jul.1970
Salazar morre em Lisboa
25.abr.1974
A Revolução dos Cravos derruba o Estado Novo, levando à transição para a democracia em Portugal
11.mar.1975
Tentativa de golpe liderada pelo general António de Spínola para reverter os rumos da Revolução dos Cravos
25.abr.1975
As primeiras eleições livres em Portugal são realizadas