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Ataque de drone na Ucrânia devasta família de Odessa – 17/04/2024 – Mundo

Na fotografia, Anna Haidarjie seu filho de 4 meses, Timofii, mal podem ser vistos sob o cobertor manchado de sangue. Eles estão deitados nos escombros, aos pés das equipes de resgate em uniformes pretos e fluorescentes. Apenas dois braços, um da mãe, de 31 anos, e outro do filho, podem ser vistos saindo do cobertor.

“Parecia que eles estavam se despedindo”, disse um dos socorristas, Serhii Mudrenko, sobre a imagem. Seus corpos foram encontrados nas ruínas fumegantes de um prédio de apartamentos atingido por um ataque de drones russos em março, na cidade de Odessa, no sul da Ucrânia, que matou 12 pessoas.

A fotografia, tirada pelos serviços de emergência do Estado ucraniano, circulou amplamente na Ucrânia e foi considerada um símbolo trágico do terrível preço cobrado dos civis pela guerra da Rússia.

Durante toda a busca, Serhii Haidarji, marido de Anna e pai de Timofii, ficou com os socorristas enquanto eles vasculhavam os escombros. Ele havia sobrevivido ao ataque com a filha de 2 anos do casal, Lizi, e estava esperando por um milagre. “Eu esperava que Anitchka sobrevivesse sob os escombros”, disse Serhii Haidarji, usando seu apelido.

Os Haidarji estavam casados havia mais de três anos. Amigos e familiares disseram que eles eram inseparáveis e agiam como jovens amantes. Segundo eles, Serhii sempre levava flores para a esposa. Ele listou o número dela como “meu amor” em seu celular. E quando podia, o casal saía para apreciar o pôr do sol em um rio próximo. “Nós aproveitávamos cada momento. Estávamos vivendo a vida ao máximo”.

Mas agora, de pé perto do prédio destruído após horas de busca depois do ataque em março, ele estava percebendo que essa parte de sua vida havia terminado. Então, um amigo, que também era socorrista, olhou para ele dos escombros e tirou o capacete. “Eu soube imediatamente”, disse Haidarji.

Sua história é apenas uma das tragédias vividas por muitos ucranianos desde o início da invasão em grande escala da Rússia em fevereiro de 2022. Os ataques russos mataram milhares de civis, segundo a ONU, destruindo sonhos, devastando famílias e acabando com histórias de amor.

Fotógrafo amador, Haidarji documentou extensivamente sua vida familiar no Instagram. As imagens agora representam o que foi perdido: viagens pela Ucrânia com sua esposa, piqueniques em família no mar Negro, ver Timofii crescer.

Ele disse que agora tinha que “suportar essa perda, essa dor”, com a qual inúmeros outros ucranianos têm se deparado, e as perguntas, muitas vezes insuportáveis, que a acompanham: Por que o ataque matou sua esposa e não ele? Como ele pode fazer Lizi entender que ela nunca mais verá sua mãe e seu irmão?

“É muito difícil”, disse ele em uma entrevista na casa da família de sua esposa em Odessa, com os olhos cheios de lágrimas. “Ainda preciso de algum tempo para recuperar o juízo”.

Haidarji conheceu Anna em um acampamento cristão em 2020, nos arredores de Odessa. Ela, a sétima filha de um pastor com nove filhos, tinha um “gosto pela vida” e um sorriso deslumbrante, conta ele.

“É amor à primeira vista. Você a vê de relance e sabe que ela é a pessoa certa”, disse. Quando o acampamento estava chegando ao fim, ele se sentou com ela perto de uma fogueira e contou a ela sobre seus sentimentos. “Quando dei por mim, estávamos de mãos dadas, sem mais nem menos.”

Duas semanas depois, ele a pediu em casamento. Anna, florista e decoradora, projetou a cerimônia de casamento, que foi realizada na igreja de seu pai em outubro de 2020. Eles disseram “sim” sob um arco de flores secas, rosas vermelhas e juncos que ela mesma havia colhido. Ela fez seu próprio vestido.

“Ela conseguia fazer algo bonito do nada”, disse Nadiia Sidak, uma de suas irmãs, e uma das muitas pessoas em Odessa que a descreveram como calorosa, generosa e criativa.

Lizi, uma menina alegre com cabelos loiros encaracolados, nasceu um ano após o casamento dos pais. Há muito tempo ela tem dificuldade para dormir, diz o pai, e frequentemente pede que ele fique ao seu lado enquanto ela cochila. Timofii nasceu em outubro de 2023.

Naquela época, a guerra contra a Rússia já estava em andamento, e Odessa, relativamente ilesa no início dos combates, sofria ataques quase diários. Moscou tinha como alvo o porto da cidade em uma tentativa de interromper as exportações marítimas, uma fonte de renda para a economia ucraniana.

O barulho dos drones de ataque da Rússia, que soam como cortadores de grama voadores, tornou-se familiar para a maioria dos moradores de Odessa. Em 2 de março, por volta de 1h, um drone entrou no bairro e colidiu com o prédio, segundo o tenente-coronel Serhii Sudets, membro das unidades de defesa aérea que protegem Odessa.

Naquela noite, Lizi e seu pai haviam adormecido em seu quarto. Sua mãe estava dormindo no quarto do casal ao lado, segurando Timofii. Esse quarto desabou após o ataque. Mas não o de Lizi.

“Do nada, ouvi uma enorme explosão”, lembra Haidarji. Ele acordou e correu para o outro quarto. “Comecei a gritar: ‘Meu amor!’ Mas tudo o que encontrei foi a porta. Nosso quarto havia desaparecido.”

Moradores que sobreviveram ao ataque disseram que se lembram de ver Haidarji andando perto dos escombros e ligando para o telefone de sua esposa, esperando por um milagre. As horas se passaram, mas não havia sinal dela.

Então, às 17h56, ele recebeu uma notificação da empresa de telefonia celular sobre o número que ele estava tentando desesperadamente contatar: “Meu amor”, ele leu na tela, “está novamente online”. Eram os socorristas que tinham acabado de descobrir o telefone dela ao lado de seu corpo e do de Timofii.

Toda a atenção de Haidarji agora está voltada para Lizi. “Às vezes ela pergunta onde estão sua mãe e Timocha, e nós lhe dizemos que elas estão no céu com Jesus”, disse ele, usando o apelido de Timofii. “Graças a Deus ela não entende, porque seria traumático para a criança.”

As mortes despertaram lembranças dolorosas para a família de Anna. Em 1968, durante o regime repressivo da União Soviética contra grupos religiosos, seu avô, um pastor, foi preso por cinco anos e depois enviado para o exílio no leste da Sibéria. Sua mãe passou parte de sua infância lá.

Sentados ao redor de uma mesa repleta de bolos e sanduíches em uma tarde recente, a família refletiu sobre três gerações oprimidas ou mortas por Moscou. Mikola Sidak, pai de Anna, disse que o Kremlin estava agora tentando reafirmar seu domínio sobre a Ucrânia, “para que a Rússia possa ter tudo da URSS novamente”.

A história e a dor da família repercutiram amplamente na Ucrânia. Em 6 de março, mais de 700 pessoas compareceram ao funeral, que ocorreu na mesma igreja em que o casal se casou. A família disse que o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, também era esperado, mas teve que cancelar a presença depois que um míssil russo caiu a algumas centenas de metros dele durante uma visita a Odessa naquele dia, matando cinco pessoas.

O som da explosão do míssil ecoou durante o funeral, assustando os presentes. Refletindo sobre sua vida durante um memorial separado, Haidarji disse: “Tudo aconteceu rapidamente para nós”.

“Eu não conseguia acreditar que me casara e que tinha uma esposa tão maravilhosa. Todos me perguntavam: ‘Você acredita?’. Eu disse: ‘Não’. Depois, não conseguia acreditar que tínhamos tido um filho”, disse ele, referindo-se a Timofii. “E agora, não consigo acreditar que eles não estão mais conosco.”



Fonte: Folha de São Paulo

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