No início deste ano, muitos economistas tinham uma visão sombria das perspectivas de queda da inflação sem um grande abrandamento econômico e um importante aumento do desemprego. Um economista proeminente declarou que a inflação subjacente era de pelo menos 4,5% e que “todos os salvadores esperados” –isto é, forças que poderiam reduzir a inflação sem sofrimento– “vieram e foram embora”. A inflação, declarou outro, seria “pegajosa, em torno de 4% a 5%”.
Diante dessas expectativas, o que realmente aconteceu equivale a um pequeno milagre, ou talvez não tão pequeno. O crescimento, tanto do PIB (Produto Interno Bruto) quanto do emprego, manteve-se sólido. Mas as medidas padrão da inflação subjacente estão agora abaixo dos 3% e em queda. Modelos estatísticos mais sofisticados mantidos pelo Fed (Federal Reserve, o BC dos EUA) de Nova York contam a mesma história e dizem que a inflação subjacente caiu para a metade desde seu pico no ano passado.
Agora, pode haver alguns solavancos nos próximos meses, envolvendo principalmente questões técnicas. Os estatísticos do governo não têm problemas para fazer estimativas, por exemplo, do preço dos ovos; embora façam o melhor que podem, porém, os métodos que utilizam para estimar os preços dos serviços, como os tratamentos de saúde, podem às vezes produzir resultados implausíveis que acrescentam ruído aos dados. Não, o custo do seguro-saúde não caiu 30% no último ano. E, diante de dados ruidosos, poderá haver alguns números de inflação ruins no nosso futuro.
Entretanto, a queda drástica da inflação subjacente este ano é claramente real e corroborada por muitas fontes, nomeadamente pesquisas de empresas. Os eleitores, especialmente os republicanos, podem acreditar ou dizer acreditar que a inflação ainda está subindo, mas embora essa crença possa ser politicamente importante está simplesmente errada.
Portanto, a grande pergunta econômica do momento é: o que deu certo? Como Cachinhos Dourados chegou à economia dos Estados Unidos?
Como salienta um novo e importante artigo de Mike Konczal, do Instituto Roosevelt, existem duas histórias principais que podem explicar por que a inflação nos EUA desceu tão rapidamente e sem sofrimento. De qualquer modo, essas histórias não são racionalizações posteriores, remendadas para dar sentido a fatos que ninguém esperava. Pelo contrário, vários economistas, inclusive eu, contavam essas histórias mesmo durante o inverno do nosso descontentamento com a inflação, argumentando que o tipo de aterrissagem suave –desinflação sem recessão– que agora parecemos estar vivendo era realmente possível.
Portanto, marque um ponto para os otimistas. Mas, por razões que explicarei em um minuto, importa qual dessas duas histórias otimistas estava certa.
Uma das duas histórias otimistas tem o nome desagradável de “curva de Phillips não linear”. Para colocar isso em algo que se assemelhe ao inglês, em tempos normais parece haver uma relação negativa entre o desemprego e a inflação, mas é bastante fraca, o que implica que a estratégia do Federal Reserve de arrefecer a inflação por meio do aumento das taxas de juro e, portanto, da redução da demanda geral, deveria causar um grande desemprego para fazer a inflação voltar a um nível aceitável. A alegação, contudo, é que numa economia superaquecida, como parecíamos ter no ano passado, a relação entre o desemprego e a inflação torna-se muito mais forte, de modo que o Fed poderia ter de provocar apenas um aumento modesto do desemprego para produzir um grande declínio da inflação.
A outra história otimista tem, acredito, um nome melhor, embora eu certamente diria isso, já que acho que fui eu quem a cunhou: transitório longo, uma brincadeira com a Covid longa. Esse é o argumento de que, no início de 2023, a inflação ainda estava elevada devido às perturbações persistentes na oferta causadas pela pandemia, mas que a inflação está descendo agora porque a economia está finalmente se normalizando.
Poderia muito bem haver verdade em ambas as ideias. Mas a curva de Phillips não linear explica por que a inflação poderá cair com apenas um pequeno aumento do desemprego; não explica bem o que realmente vimos, que é a queda da inflação sem qualquer aumento do desemprego. (O pequeno aumento em agosto foi provavelmente apenas um pontinho estatístico.)
Konczal tenta resolver a questão comparando a desinflação em diferentes bens e serviços. Ele argumenta que se a melhora da oferta à medida que os efeitos da pandemia desaparecem for a história principal, deveríamos ver a inflação caindo mais rapidamente nos bens e serviços cujo consumo aumentou mais, porque sua disponibilidade aumentou. E é isso de fato o que vemos.
Por que esta disputa entre os otimistas em matéria de inflação é importante? Devido a preocupações de que a inflação possa reacelerar se a economia permanecer forte.
Afinal de contas, se acreditarmos que a inflação caiu rapidamente devido ao arrefecimento da procura, temos de nos preocupar com o fato de que, se a economia voltar a se aquecer, por exemplo, porque o Fed interrompe os aumentos das taxas cedo demais, a inflação poderá se recuperar rapidamente. Isso é muito menos preocupante se estivermos vendo principalmente os efeitos da normalização pós-Covid.
Portanto, o que vejo como evidência crescente a favor da história da transitória longa é tranquilizador. Dito isso, é claro que os políticos responsáveis por decisões devem permanecer vigilantes.
Esta discussão provavelmente não terminou. O que não deveria ser um problema, entretanto, é a proposição de que a inflação desceu muito mais rapidamente do que os pessimistas previam, sem custos visíveis.
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves
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