Uma comissão indicada pelo governo da Alemanha recomendou nesta segunda-feira (15) que o país retire todas as restrições ao aborto durante as primeiras 12 semanas de gravidez. Os especialistas defenderam, entretanto, que seja mantida a proibição de interrupção da gestação após o período chamado de viabilidade fetal, isto é, a fase da gestação em que o feto poderia sobreviver fora do útero materno —normalmente após a 22ª semana.
O painel de especialistas, criado no ano passado pelo governo de coalizão liderado pelo primeiro-ministro Olaf Scholz, recomendou flexibilizar a lei em um relatório de 600 páginas. “A ilegalidade fundamental do aborto na fase inicial da gravidez é insustentável”, disse Liane Wörner, professora de direito na Universidade de Konstanz e membro do painel que inclui 18 especialistas em medicina, psicologia, ética e direito.
De acordo com a legislação vigente, o aborto é ilegal na Alemanha, mas na prática já é tolerado até a 12ª semana de gestação. As mulheres geralmente precisam de aconselhamento para obter um aborto legal no primeiro trimestre. O parágrafo 218 do Código Penal, adotado há 153 anos, estabelece exceções para as mulheres que foram estupradas ou que correm risco de morte, sem restrições de tempo.
A lei atual “não se sustenta”, afirmou Wörner. Ela pediu ao governo que tome “medidas para que o aborto seja legal e não punível” nos primeiros três meses de gestação.
Apesar de recomendar a manutenção da proibição em gestações mais avançadas, a comissão sugeriu que a questão fosse examinada para determinar a forma como vai ser tratada pela lei. Nesses casos, o aborto deve continuar sendo ilegal, mas “não tem necessariamente que ser punível”, afirmou Wörner.
Caberá à coalizão de Scholz decidir se aceitará o conselho da comissão. O ministro da Saúde, Karl Lauterbach, disse que há uma “necessidade imediata de ação” em relação ao acesso das mulheres ao aborto e ao cuidado adequado para mulheres com gravidezes indesejadas, especialmente no sul religiosamente conservador do país.
No entanto, nem Lauterbach nem os ministros da Justiça e da Família, que receberam as recomendações junto com ele, deram um prazo para apresentar um projeto de lei preliminar.
O governo examinará o relatório “de forma cuidadosa para determinar os próximos passos” a seguir, declarou o chefe da pasta da Justiça, Marco Buschmann. “O que não precisamos é de outro debate que divida a sociedade”, disse o ministro, referindo-se a casos como os dos Estados Unidos e da Polônia. “Discutiremos em detalhes e depois vamos propor um processo ordenado para como nós, como governo e Parlamento, lidaremos com essas propostas.”
A reforma da legislação do aborto tem sido uma das promessas do atual governo, uma coalizão entre sociais-democratas, liberais e ambientalistas. Em 2022, o Parlamento votou a favor de eliminar uma lei do período nazista que limitava a informação que médicos e clínicas podiam fornecer sobre a interrupção de gravidez.
A porta-voz do governo, Christiane Hoffmann, preferiu não comentar a possibilidade de legalização deste procedimento antes das próximas eleições, em 2025. “Vai depender de como o debate evoluir”, disse. Membros da oposição conservadora disseram que levariam qualquer reforma ao Tribunal Constitucional.
A ONG Centro para os Direitos Reprodutivos acolheu com satisfação as recomendações da comissão e disse que a Alemanha tem agora uma “oportunidade histórica de modernizar a lei”.
Os direitos ao aborto se tornaram uma questão polarizadora entre eleitores nos EUA e em vários países europeus. As revisões das leis de aborto da Polônia em 2021 geraram polêmica em torno de políticas conservadoras que se enraizavam no país. No início deste ano, o presidente da França, Emmanuel Macron, disse que quer que a União Europeia garanta o direito ao aborto em sua Carta dos Direitos Fundamentais —seu país foi o primeiro a proteger o acesso ao procedimento incluindo-o na Constituição.
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