Israel e Irã disputam há anos uma guerra às escondidas, com batalhas indiretas travadas nos territórios de outros países.
No início do mês, Tel Aviv foi apontada como responsável por bombardear a embaixada do Irã em Damasco. Neste sábado (13), em uma provável retaliação, militares iranianos tomaram um navio ligado a um grupo israelense no estreito de Hormuz, o que pode indicar uma mudança de cenário, fazendo com que os embates sejam às claras.
“É um dos piores momentos das relações entre Israel e Irã”, afirma Sean McFate, professor da Universidade Syracuse e autor do livro “The New Rules of War” (as novas regras da guerra, em inglês). “E pode piorar.”
Para McFate, é improvável que a tomada do navio seja a principal resposta iraniana ao ataque de Israel. A região segue em alerta para possíveis desdobramentos.
As relações, porém, nem sempre foram tão ruins. O Irã votou em 1949 contra a entrada de Israel na ONU depois da fundação do Estado judeu. Mas, em seguida, foi um dos primeiros países islâmicos a reconhecê-lo, em 1950. Existiu uma cooperação durante o regime do xá Reza Pahlavi, que durou de 1941 a 1979.
Os laços começaram a se desfiar justamente em 1979, diz McFate. Foi o ano em que a Revolução Iraniana derrubou o xá e instalou o regime teocrático dos aiatolás, que segue até hoje no poder. O aiatolá Ruhollah Khomeini (1902-1989) passou a usar a causa palestina como um de seus alicerces simbólicos contra Israel.
Com os anos, a rivalidade foi se firmando. Teerã enxergava em Israel uma extensão regional de seu inimigo, os Estados Unidos. Tanto que se refere a Tel Aviv como “pequeno Satanás” e a Washington como “grande Satanás”.
A invasão israelense ao Líbano, em 1982, tensionou ainda mais a situação. O Irã financiou e apoiou a criação da milícia libanesa Hezbollah, hoje uma das principais ameaças a Israel na região. Foi uma maneira de, já naquele momento, lutar sua guerra oculta com Israel.
O mesmo foi feito nos anos seguintes com outros grupos armados na região. O Irã também usa como preposto a facção palestina Hamas, surgida em 1987 no contexto da Primeira Intifada (um levante contra Israel que durou até 1993). Sustenta ainda milícias em países como Iraque e Iêmen, caso dos houthis, que têm feito ataques recorrentes a embarcações no Mar Vermelho com o início da guerra Israel-Hamas.
Em 1992, um ataque alvejou a embaixada israelense em Buenos Aires e matou 29 pessoas. Dois anos depois, uma caminhonete com explosivos explodiu diante da sede da Amia (Associação Mutual Israelita Argentina), deixando 85 mortos e cerca de 300 feridos. Israel sempre apontou para o Irã. Nesta quinta (11), um tribunal argentino identificou Teerã como mandante das duas ações, executadas pelo satélite Hezbollah.
Nos anos 2000, uma série de ataques virtuais atingiu as instalações do programa nuclear iraniano. A tese é de que Israel tenha sido, em parte, responsável. Tel Aviv, que tem seu próprio arsenal nuclear, age para impedir que Teerã obtenha o seu (algo que os aiatolás negam querer).
Com o início da guerra civil síria, em 2011, esses ataques indiretos ficaram mais frequentes e mais graves. Acredita-se que Tel Aviv tenha bombardeado diversos alvos de interesse iraniano na Síria nesta última década —apesar de os israelenses, por estratégia, nunca admitirem a sua autoria.
A situação ganhou outro contorno depois dos atentados do Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023, com cerca de 1.200 mortos. Israel respondeu de modo considerado desproporcional por boa parte da comunidade internacional, em uma ofensiva que já matou mais de 33 mil pessoas.
Desde então, Tel Aviv alvejou diversas forças ligadas ao Irã tanto no Líbano quanto na Síria. O mais grave desses ataques foi o do início de abril à representação iraniana em Damasco, em que 13 pessoas morreram, entre eles alguns membros de alto escalão da Guarda Revolucionária do Irã.
McFate explica que essas “guerras na sombra” são feitas de modo com que nunca fique claro o que aconteceu. Não para os países envolvidos, é claro. Eles sabem quem fez o quê. O interesse é que as suas populações fiquem no escuro e, assim, não pressionem os seus governos a reagir.
“É escondido para que a imprensa e os eleitores não se envolvam em questões de política interna”, diz. Desta vez, porém, o bombardeio à embaixada iraniana —que Israel, aliás, nega ter feito— pressionou Teerã a responder, o que ocorreu neste sábado (13).
A inimizade Israel-Irã é também uma questão doméstica, no sentido em que os países demonizam o rival como maneira de ter um inimigo externo visível. É em parte por isso, McFate diz, que o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, fez dos aiatolás seus “bichos-papões”.
O professor McFate compara a situação atual à dos Bálcãs às vésperas da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), em que uma ação pode levar a reações descontroladas, desencadeando conflitos mais intensos e extensos do que o planejado. “A natureza de uma guerra é que ela se agrave”, afirma.
Relações entre Israel e Irã vêm piorando há anos
1947
Irã vota contra o plano da ONU que leva à criação do Estado de Israel
1949
Teerã vota contra a entrada de Israel nas Nações Unidas
1950
Irã é um dos primeiros países islâmicos a reconhecer o Estado de Israel
1979
Após a Revolução Islâmica, Irã corta laços diplomáticos com Israel
1982
Israel invade o Líbano, e o Irã ajuda a criar a milícia radical Hezbollah
1987
Surge a facção palestina Hamas, que também conta com apoio do Irã
1992
A embaixada de Israel é alvejada em Buenos Aires, e a suspeita recai sobre o Irã; 29 pessoas morrem
1994
Ataque terrorista contra a entidade judaica Amia, também na capital argentina, mata 85; Israel volta a apontar para Teerã
2006
Irã e Israel se enfrentam, de maneira indireta, na guerra Israel-Líbano
2011
Início da guerra civil síria, em mais uma frente de ataques indiretos entre Tel Aviv e Teerã
2021
Israel e Irã acusam um ao outro por ataques a embarcações na região
2023
Após os atentados do Hamas em 7 de Outubro, tensões voltam a escalar entres os países
2024
Israel ataca o consulado iraniano em Damasco, elevando os receios