Depois de um ano de relativa calma, a vida política no Peru volta a entrar em turbulência. A presidente, Dina Boluarte, encontra-se extremamente frágil. Com 9% de aprovação popular (segundo pesquisa Ipsos), hoje é praticamente refém de um Congresso que, por sua vez, tem 84% de desaprovação.
Além disso, vem sendo investigada por enriquecimento ilícito. Uma apuração aberta pela Procuradoria encontrou em suas contas US$ 300 mil, além de três relógios Rolex e outras joias. Na última sexta-feira (5), depois de uma audiência de mais de quatro horas, Boluarte afirmou que os relógios haviam sido empréstimos de um “amigo”, o governador de Ayacucho, Wilfredo Oscorima —algo que ele prontamente respondeu, dizendo que os objetos não lhe pertenciam.
País que já teve seis presidentes nos últimos seis anos, com quatro deles derrubados por moções de vacância (processo mais acelerado que um impeachment), o Peru vinha sendo um caso raro na região que combinava instabilidade política com crescimento econômico.
A pós-pandemia e o atual desgoverno, porém, desta vez cobraram seu preço. Depois da tentativa de um autogolpe em dezembro de 2022, o então presidente, Pedro Castillo, deixou o poder. Em seu lugar, assumiu Boluarte, sua vice. Os apoiadores de Castillo, porém, não aceitaram a nova mandatária. Parte de sua base de eleitores, a população do campo, indígenas, afro-peruanos e camponeses, foi a Lima, e por três meses houve manifestações intensas que deixaram um saldo de mais de 60 mortos.
O resultado debilitou Boluarte e ela passou a necessitar da maioria do Congresso, dominado pelo Força Popular, o partido do fujimorismo, e de seus aliados para se manter no poder. Em troca, perdeu capacidade de ação e deixou de defender as bandeiras ideológicas com as quais se elegeu junto a Castillo —as de uma esquerda arcaica e conservadora nos costumes.
Enquanto isso, o Congresso, no qual quase dois terços dos parlamentares enfrenta algum tipo de processo por corrupção, garante a ela proteção contra novas moções de vacância. A presidente também desistiu de convocar novas eleições antes do fim do mandato de Castillo, em 2026, agradando o Parlamento, mas indo contra os manifestantes, antes apoiadores de sua força política.
O resultado de seu desastroso primeiro ano no poder é que o Peru teve uma de suas piores performances com relação ao PIB, que fechou 2023 com -0,6%. A informalidade chegou a 70% do mercado de trabalho. Entre o período Castillo e o momento, a imigração aumentou, levando 400 mil peruanos a sair do país.
“Se antes o problema do sistema peruano podia se explicar por conta da fragmentação dos partidos políticos, hoje creio que se trata justamente do contrário. Há um alinhamento demasiado forte dos partidos em torno do fujimorismo”, diz o analista Will Freeman, do Council on Foreign Relations (EUA).
O atual Parlamento, até aqui unicameral, aprovou a restituição do Senado e a reeleição de congressistas, antes proibida. Isso poderia significar um fortalecimento interno desta coalizão. Muitos deles hoje são praticamente siglas de aluguel, com acusações de vínculos com o narcotráfico e com pequenas universidades privadas associadas à lavagem de dinheiro.
É improvável que tanto Boluarte como o atual Congresso recuperem sua imagem. Algum arranjo político e medidas para melhorar a economia e diminuir a tensão social se fazem urgentemente necessários.
De outro modo, serão dois anos muito difíceis.
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