Aumento salarial, reestruturação da carreira e condições precárias de trabalho são os motivos que levam professores universitários a entrar em mais uma greve, prevista para o dia 15 de abril. Nos bastidores, parte dos docentes, apoiadores do governo Lula, foi contrária à paralisação para evitar mais danos à imagem do presidente. Para os professores universitários ouvidos pela Gazeta do Povo, há outros problemas mais urgentes que mereceriam a atenção da categoria, como a qualidade de ensino e a baixa taxa de sucesso dos cursos (quantidade de alunos que conseguem se formar).
Segundo o professor da Universidade de Sergipe Rodorval Ramalho, as rodadas de assembleia nas universidades federais mostraram o movimento dividido entre apoiadores do PT e do PSOL. Segundo ele, a maioria dos petistas votou contra a paralisação para não desgastar ainda mais a imagem do presidente Lula. “Os psolistas, por seu lado, querendo ampliar a sua influência na categoria e com a sua visão limitada sobre os problemas estruturais das universidades, defenderam em todas as assembleias a deflagração da greve”, complementa.
“A falta de avanço nas tentativas de negociação com o governo sobre as pautas centrais da categoria – recomposição salarial, reestruturação da carreira, ‘revogaço’ de medidas que atacam docentes e a educação pública […], além da precarização das condições de trabalho levaram à deliberação pela deflagração do movimento paredista”, indica o site do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN). Até dia 15 de abril, estão sendo organizadas assembleias locais para confirmar a adesão à greve.
“É muito claro que os sindicatos possuem espaço no governo e, por isso, de certa forma, se sentem parte do governo. Isso faz com que eles tendam a não adotar uma posição mais radical, o que pode dar abertura para a greve se encerrar em uma contraproposta”, avalia Wiliam Cunha, professor da Universidade de Brasília.
Ensino superior possui problemas mais urgentes, segundo professores
“As carreiras dos técnicos estão entre as menos remuneradas do serviço público federal. Os salários dos professores, não. A remuneração é consideravelmente boa em comparação ao restante dos servidores públicos”, acrescenta Cunha.
Pela tabela salarial que começou a valer em maio de 2023, um professor titular de universidade federal, com doutorado e dedicação exclusiva, recebe mais de R$ 22 mil. Já um professor associado que trabalha 20 horas, com doutorado e sem dedicação exclusiva, tem a base salarial de R$ 7.451,34. Os valores desconsideram benefícios como auxílio-alimentação, auxílio-saúde e auxílio-transporte.
“Além dessa mesquinha e inaceitável disputa partidária, testemunhamos, mais uma vez, uma excessiva preocupação corporativa por parte dos sindicalistas, mais especificamente, uma preocupação salarial, que apesar de justa, está longe de ser o centro dos problemas enfrentados pelo sistema de universidades federais”, reitera.
De acordo com Ramalho, entre os problemas, é preciso rever as fontes de financiamento das universidades, reestruturar o “modelo assembleístico” de gestão, melhorar os critérios de avaliação de professores e consolidar o sistema de ensino à distância.
Expansão de vagas é o que dá votos; Lula anunciou a criação de 100 novos campi
A taxa de sucesso nos cursos é também um dos problemas que precisam da atenção dos docentes, destaca Ramalho. Segundo o último Censo do Ensino Superior, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep) em 2022, a taxa de conclusão dos cursos é de apenas 40%. Em quase 10 anos, a taxa de desistência durante a graduação passou de 11% em 2013 para 58% em 2022.
“Volto a afirmar que os problemas salariais são os menores problemas do sistema, que foi expandido, irracionalmente, pelos governos petistas que têm apenas uma política, a de expansão de vagas. Afinal, é isso que garante votos”, aponta Ramalho. Recentemente, o presidente Lula anunciou a criação de 100 novos campi de Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. A ação prevê o aumento de 140 mil novas matrículas. “A qualidade dos cursos e até a sua viabilidade são questões menores para o populismo de esquerda”, reforça.
Ensino superior quer mais orçamento do MEC
A Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024, aprovada com R$ 200 milhões a menos que no ano anterior, e os cortes realizados pelo MEC em 2023 desagradaram a classe. Os representantes do setor não ficaram satisfeitos com a promessa do ministro da Educação, Camilo Santana, de repor R$ 250 milhões. A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) quer pelo menos R$ 2,5 bilhões a mais.
Pela LOA, foram destinados R$ 40 bilhões ao ensino superior federal em 2024. Do montante, R$ 6,3 bilhões correspondem a custeio e investimentos e os outros 33,7 bilhões são utilizados, quase inteiramente, para o pagamento de salários de servidores. Uma nota no site da associação diz que a “Andifes defende para este ano um valor adicional de R$ 2,5 bilhões para recompor o orçamento de custeio e investimento e elevar o montante para R$ 8,5 bilhões, a fim de aproximar do orçamento de 2017 corrigido pelo IPCA do período”. Ainda segundo o texto, a presidente da entidade e reitora da Universidade de Brasília Márcia Abrahão Moura apresentou as dificuldades orçamentárias das universidades ao ministro.
Ao mesmo tempo, não é difícil encontrar gastos exorbitantes realizados por reitores. A própria Márcia Abrahão gastou mais de R$ 50 mil reais em uma única viagem para participar de um evento na Turquia. Já a reitora da Universidade Federal de Minas Gerais, Sandra Regina Goulart, desembolsou R$ 385 mil em viagens no ano de 2023. Ao todo, foram 29 viagens por países como China, Bielorrússia, Uruguai e Chile.
Dos R$ 385 mil, mais de R$ 133 mil foram direto para a conta da reitora para cobrir custos como hospedagem, alimentação e transporte. As informações podem ser encontradas no portal de viagens do próprio governo federal.
Por nota, a UFMG informou que “tem trabalhado para ser presença marcante em importantes redes e consórcios internacionais interuniversitários, além de se destacar no cenário nacional, como a melhor federal do país, e no cenário internacional como uma das 10 melhores universidades da América Latina e entre as 500 melhores do mundo”.
A universidade também reforçou que Sandra Regina possui “uma liderança ativa no âmbito das redes internacionais de universidades” e que todas as viagens realizadas pela reitora foram aprovadas pelo Conselho Universitário da UFMG obedecendo à legislação vigente. A reportagem também entrou em contato com a UnB, mas não recebeu retorno.
Em fevereiro, a Gazeta do Povo publicou uma matéria com denúncias sobre o mau uso de verba pública por fundações de apoio, responsáveis por executar a maior parte do orçamento das universidades. As fundações de apoio, por serem instituições de direito privado, não precisam cumprir todas as etapas de transparência adotadas no poder público. Está prevista apenas uma prestação de contas ao Ministério Público estadual, mas que, segundo fontes, serve para cumprir uma mera formalidade.