A esnobe expressão nova-iorquina “gente ponte e túnel” define os que não moram na ilha de Manhattan, os aspirantes ao poder e prestígio de ostentar um endereço na pequena ilha que abriga só 1,5 milhão dos 8,2 milhões de moradores de Nova York.
Donald Trump, nascido e criado no Queens, era um ressentido membro dessa tribo que cruzou a ponte assim que os milhões do papai Fred permitiram a ele começar a poluir o perfil da ilha de arranha-céus.
Nesta semana, a sorte do virtual candidato republicano à Presidência teve altos e baixos notáveis. Na segunda-feira (25), ele estava prestes a ter edifícios e bens apreendidos por não conseguir depositar cerca de US$ 456 milhões da fiança no caso em que ele é acusado de cometer fraudes financeiras, enganando bancos e autoridades sobre a liquidez de sua empresa.
No mesmo dia, as manchetes bradavam que Trump havia voltado à lista dos 500 mais ricos do mundo, graças à fusão de sua Trump Media –uma barraca de feira livre digital que dá prejuízo– com o Technology Group. Essa negociata teria acrescentado, em horas, US$ 4 bilhões ao cofrinho do porcão, uma soma dependente da credulidade de incontáveis otários investidores. As ações da empresa são apelidadas de “meme stocks”, referência à chance de que seu valor se esvaia com rapidez —talvez semelhante à que o capitão covardão se escondeu na embaixada da Hungria.
Há pelo menos 40 anos Trump mente sobre um vasto espectro de fatos comprováveis por números: as cifras de sua fortuna; o número de andares da Trump Tower; o número de metros quadrados da sua cobertura no mesmo edifício; o preço estimado de propriedades que tem pelo país.
Em Nova York, Trump era tratado como um bufão, o outsider tentando ser aceito por elites, mas ele não tolerava que investigassem suas palhaçadas. Em 2006, moveu um processo circense de US$ 5 bilhões contra Tim O’Brien, então jornalista do New York Times, que havia despido o alaranjado reizinho rabelaisiano no livro “Trumpnation: The Art of Being the Donald” (nação Trump: a arte de ser o Donald). O autor concluiu no livro que a liquidez do biografado não era de bilhões, como ele alardeava. Somava, no máximo, US$ 250 milhões.
Numa conversa com esta coluna, Tim O’Brien reflete sobre a decadência do empresário que passou tantas horas entrevistando na Trump Tower. “Ele vive este momento como humilhação pública, sem dúvida, não importa se continua a posar como vítima de perseguição”, diz.
O’Brien destaca o que nota como evidente declínio da capacidade mental de Trump: “um homem que nunca foi especialmente inteligente” e que escapou por pouco da falência pessoal com ajuda do pai. Trump declarou falência de suas empresas seis vezes nos anos 1990.
Na ação de US$ 5 bilhões que perdeu, lembra o jornalista, Trump foi obrigado a depor durante dois dias e, sob pena de cometer perjúrio, forçado a admitir 30 vezes que mentiu sobre suas finanças.
Nesta semana, Trump começou a vender bíblias por US$ 60 (cerca de R$ 300) cada uma. Supernatural, partindo de um bilionário de verdade, não?
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