A Justiça da Argentina condenou à prisão perpétua nesta terça-feira (26) dez ex-agentes da ditadura por crimes cometidos durante o regime, julgados culpados de homicídio, sequestro, tortura, estupro e roubos de crianças.
O veredicto foi anunciado dois dias depois de o golpe de Estado que inaugurou a ditadura, considerada uma das mais violentas da América Latina, completar 48 anos. E em um momento em que o tema é particularmente delicado para os argentinos —no domingo (24), data do aniversário golpe em si, o governo Javier Milei divulgou um vídeo sobre o período com conteúdo revisionista.
Esta ainda foi a primeira vez em que mulheres trans foram reconhecidas como um dos grupos que eram alvo do regime. Segundo o jornal El País, que acompanhou a leitura da decisão, comprovou-se que ao menos oito delas foram raptadas “como parte de uma violência sistemática” e reduzidas à servidão, submetidas à constante violência sexual e obrigadas a realizar serviços domésticos e trabalhos forçados.
O processo judicial que resultou nas condenações nesta terça foi aberto em 2020. Ele expôs crimes ocorridos nos centros de detenção Poço de Banfield, Poço de Quilmes e Brigada de Lanús, o último também chamado de “inferno” em razão das atrocidades que perseguidos políticos sofreram no local.
Os três funcionavam sob a supervisão do ex-diretor da Polícia da Província de Buenos Aires Miguel Etchecolatz. Ele também tinha sido acusado, mas morreu antes do julgamento, em julho de 2022, tendo vindo a óbito em cárcere, enquanto cumpria nove sentenças de prisão perpétua, aos 93 anos.
Além dele, outros cinco réus morreram durante o processo, o que fez com que apenas 12 do total de acusados originalmente recebessem o veredicto. Destes, dez foram condenados à prisão perpétua; um a 25 anos de prisão; e um, absolvido.
Quase todos estão em regime de prisão domiciliar, que será revista após perícias médicas “urgentes” ordenadas pela corte.
A sala do tribunal estava lotada de sobreviventes e parentes de vítimas da ditadura que testemunharam durante o julgamento. Na rua, cerca de 300 pessoas acompanharam a leitura do veredicto, recebido aos gritos de “prisão comum para os genocidas, assassinos, assassinos!”.
Alguns dos presentes erguiam cartazes com fotografias das vítimas. Outro dizia: “são 30.000, foi genocídio”, referência à cifra de mortos e desaparecidos adotada por movimentos sociais importantes do país e com frequência questionada pelo governo Milei.
No vídeo divulgado no domingo, por exemplo, um dos entrevistados, o ex-guerrilheiro Luis Labraña, afirma que ela foi inventada pelas Mães da Praça de Maio num momento em que elas buscavam financiamento no exterior.
O número oficial, que até hoje é compilado pelo Registro Unificado de Vítimas do Terrorismo de Estado, é de 8.631 mortos e desaparecidos de 1976 a 1983, mas o próprio relatório reconhece que ele é subestimado.
“Estamos atravessando um momento difícil no país em relação à verdade e à memória, e isto é um empurrão para continuar demonstrando que houve um genocídio”, disse María Victoria Moyano Artigas, 45, nascida no Poço de Banfield quando sua mãe estava presa no local.
Com o veredicto de hoje, a quantidade de pessoas condenadas por crimes cometidos durante a ditadura na Argentina sobe a 1.184, resultado de 317 sentenças. Outros 62 julgamentos seguem em andamento.