Quando o fotógrafo Evandro Teixeira embarcou em um avião rumo ao Chile no dia 12 de setembro, já acumulava nove anos de experiência na cobertura de uma ditadura —em 1964, o Brasil foi palco de um golpe que inaugurou uma era de quarteladas na América Latina e inspirou outras aventuras autoritárias na região. Ainda assim, a brutalidade da ruptura chilena o impressionou.
Enviado do Jornal do Brasil para registrar o golpe chileno, Teixeira foi responsável por algumas das imagens mais importantes daqueles dias em que a incerteza e o medo imperavam no país sul-americano —repetindo o seu papel durante o regime brasileiro. “Jornalisticamente foi importante, para mostrar que as atrocidades que estavam acontecendo no Brasil aconteciam também no Chile“, diz.
O trajeto até Santiago, feito com o repórter Paulo Cesar de Araújo, estendeu-se por quase dez dias após emperrar perto da cidade fronteiriça da Argentina de Mendoza, onde a dupla ficou retida com outros profissionais da imprensa internacional. Teixeira só chegaria ao seu destino no dia 21, quando viu as ruas tomadas de militares e um país sob toque de recolher.
“Eu sempre andava com a minha câmera escondida debaixo de uma jaqueta jeans e com o filme no bolso. Não usava aquela mala de fotógrafo para não chamar a atenção”, conta.
No dia seguinte à chegada, eles fizeram uma visita ao Estádio Nacional que a junta militar havia programado para mostrar uma narrativa de que os prisioneiros, exibidos nas arquibancadas, estavam sendo bem tratados.
Naquele momento, porém, chegaram ônibus com mais detidos no local que se tornaria um centro de tortura da ditadura. Teixeira, então, aproveitou o momento em que um militar discursava no gramado para ir ao subsolo —caminho que conhecia como a palma de sua mão por causa da cobertura da Copa de 1962.
“Quando percebi que os militares estavam todos prestando atenção no coronel falando, vi o portão que dava acesso ao subsolo e pensei: ‘é agora ou nunca'”, lembra. Ele desce as escadas e clica uma porção de homens espremidos atrás das grades. “Fiz meia dúzia de fotos e caí fora porque estava com a barriga doendo de medo.” Com um dos presos políticos encarcerados, Teixeira se reencontrou neste domingo (11), quase 50 anos depois.
O material fruto da audácia de Teixeira subverte a ideia da visita oficial, de acordo com Sergio Burgi, curador da exposição que reúne as principais imagens do fotógrafo durante as ditaduras militares no Chile e no Brasil e que está em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio. “Evandro construiu algo de enorme impacto entre 1964 e 1968. No Chile, ele faz isso em oito dias”, afirma ele.
Por algum motivo, a foto passa pelas duas camadas de controle —o filtro da junta militar no Chile e os dois censores instalados no Jornal do Brasil— e estampa a capa dos exemplares do Jornal do Brasil do dia 25 de setembro. Seria a última imagem do golpe a conseguir uma publicação na época. Naquele dia, ele já fazia a segunda cobertura memorável de sua temporada em Santiago: o enterro do poeta Pablo Neruda.
A jornada começou, porém, na noite do dia 23, quando o fotógrafo descobriu que Neruda havia morrido. No dia seguinte, Teixeira foi ao hospital em que o poeta estava internado, e, com a câmera escondida, conseguiu entrar no prédio e encontrar Matilde Urrutia, última mulher de Neruda, ao lado do corpo.
“Fiz dezenas de fotografias. Eu olhava para trás, para o lado, e pensava: ”Só tem eu aqui? Cadê os fotógrafos?”, conta. Ele registrou as 36 horas posteriores a esse momento: preparação do corpo, saída da clínica, chegada na casa de Neruda —que tinha sido em partes destruída pelos militares— e o cortejo, que começa na manhã do dia 25.
“Da casa do Neruda até o cemitério, foi chegando gente. Quando alcançamos o cemitério, era uma multidão incalculável”, conta ele. “Parecia a Passeata dos Cem Mil“, continua, em referência à famosa manifestação de 1968 contra a ditadura brasileira.
É de Teixeira também a famosa foto que marcou esse protesto no Rio de Janeiro: uma multidão de pessoas sob a faixa em que se lia “abaixo a ditadura, povo no poder”. Essa e todas as outras principais manifestações daquele ano, em que se decretou o AI-5, tiveram a cobertura do fotógrafo.
A foto do estudante que, perseguido por dois policiais com cassetetes, cai durante a chamada “sexta-feira sangrenta”, em 1968, também faz parte da memória coletiva da ditadura no Brasil —assim como aquela tirada na madrugada de 1º de abril de 1964, data do início do golpe militar. Nela, soldados foram clicados na contra luz no Forte de Copacabana em uma aura de escuridão que captura o espírito do tempo que só terminaria 21 anos depois.