“É preciso chamar as coisas pelo nome. Está claro que o que deve ocorrer na Venezuela no dia 28 de julho não será uma eleição.” A declaração é de Leopoldo López, 52, figura de expressão da oposição venezuelana preso nas manifestações de 2014 e protagonista de um levante, ao lado de Juan Guaidó, em 2019.
Desde 2020, ele —que ainda é presidente do partido Voluntad Popular— vive entre Madri, onde está sua família, e Washington, onde participa do World Liberty Congress, uma aliança de dissidentes de 56 nações que vivem regimes autoritários.
Impedido de voltar a seu país, López acompanha de longe esses dias tensos de inscrições de candidatos que pretendem enfrentar Nicolás Maduro no pleito.
O prazo vai até segunda-feira (25), mas o regime inabilitou os principais candidatos que poderiam desafiar o chavismo, descumprindo um trato que havia firmado com a oposição visando a eleições livres.
María Corina Machado, que venceu as primárias da oposição, por exemplo, foi declarada inelegível por 15 anos. Na sexta-feira (23), ela indicou Corina Yoris como sua possível substituta, mas afirmou que ainda tentará insistir em sua inscrição até o fim do prazo.
Leia trechos da conversa de López com a Folha, por telefone.
O sr. considera que o Acordo de Barbados está morto?
Maduro evidentemente não está cumprindo o que foi assinado. Havia ali duas orientações concretas: um processo eleitoral claro e com regras justas. E Maduro propôs um cronograma eleitoral opaco, onde as regras vão mudando. Imagine jogar uma partida de futebol na qual, no meio do jogo, as regras estão sendo mudadas?
É isso que o CNE (Conselho Nacional Eleitoral) está fazendo neste momento?
Tiram partidos da disputa, colocam outros, mudam os requisitos de como os candidatos devem se inscrever e os inabilitam.
Isso é o contrário do que havia sido estabelecido em Barbados. O coração desse acordo era que Maduro não escolheria seu adversário. E ele apenas [fez o contrário disso e] reafirmou que a nossa candidata, María Corina Machado, eleita nas votações primárias, não poderá disputar a eleição.
A Venezuela parece presa num círculo vicioso. Há protestos, o regime concorda em negociar com a oposição, promete eleições livres, e depois faz tudo diferente. A eleição é manipulada, e sempre ganha o chavismo. Aí a população vai às ruas novamente, o regime promete dialogar mais uma vez e assim por diante. Essa eleição segue o mesmo padrão?
Tem sido de fato assim. Mas note que estamos lutando e nos levantando sempre. E eu diria que o que está marcado para 28 de julho, por ora, não pode ser chamado de “eleição”. Vi vários veículos de imprensa internacionais chamando o que ocorreu na Rússia de “eleição”. Não se deveria normalizar o que está claro que é algo armado. O mesmo está ocorrendo com a Venezuela.
Mas ainda assim creio nos venezuelanos, em sua capacidade de ir às ruas protestar e mostrar sua insatisfação como ocorreu tantas vezes. Em 2013, quando Maduro roubou a eleição de [Henrique] Capriles; em 2014, nas manifestações dos estudantes; em 2016, quando impediram a Assembleia Nacional [de maioria opositora] de realizar sessões dentro do Palácio Legislativo; em 2017, no plebiscito para a Assembleia Nacional Constituinte; e em 2019, no apoio a Juan Guaidó.
Não me surpreende que agora possa haver uma nova onda de reação, como a que ocorreu na semana passada em Cuba.
É importante não desistir, e os venezuelanos sempre se mobilizaram. As pesquisas indicam que mais de 80% da população rejeita o regime. Mas há uma longa história de autocratas que usam eleições para criar uma fachada [de democracia]. E é preciso ficar atento, principalmente aos meios de comunicação, que devem chamar as coisas por seu verdadeiro nome.
Este processo não é uma eleição, porque não é justa nem livre. Maduro quer criar uma ilusão. Mas ainda pode acontecer muita coisa até segunda-feira.
O que o sr. tem achado do posicionamento do governo Lula em relação à ditadura? Suas declarações recentes sobre a Venezuela têm impacto na tentativa de implementar uma transição democrática no país?
Não vem ajudando a Venezuela e tampouco está ajudando o Brasil ou a região.
O presidente do maior país da América do Sul deve defender que a região tenha democracias robustas. Precisa saber que 8 milhões de venezuelanos saíram do país nos últimos anos. Precisa saber que a economia venezuelana colapsou e que a Venezuela, em termos de pobreza, só é comparável ao Haiti. Que há uma crise humanitária denunciada inúmeras vezes por vários órgãos de direitos humanos.
O que o sr. pensa de declarações dele como a de que a Venezuela tem um problema de “narrativa”, ou quando insultou María Corina [acusando-a de ‘ficar chorando’ ao ser barrada das eleições]?
Quando Lula diz que a questão venezuelana é só um problema de narrativa, está insultando os venezuelanos que estão sofrendo.
É como dizer-lhes que seu sofrimento não é de verdade. E é ignorar que a tragédia humanitária é uma consequência da destruição da economia que, por sua vez, é uma consequência da destruição da democracia. Isso é a realidade, não é uma narrativa. É um comentário de um político a outro político, ensinando-o como enganar ou manipular.
O modo desrespeitoso com que tratou María Corina, burlando-se de uma mulher, é para ser rejeitado por toda a comunidade internacional. Maduro destruiu as instituições na Venezuela, e Lula deve lembrar que foram justamente as instituições democráticas do Brasil que permitiram a ele passar pela inabilitação e pela prisão e hoje poder ser presidente.
O que nós queremos é ter essa mesma oportunidade.
E o papel de Gustavo Petro, presidente da Colômbia, que também tem sido suave com Maduro?
Petro tem sido parte das decepções também, afinal a Colômbia é o país que mais recebe nossos refugiados.
Quando ele foi destituído do cargo de prefeito de Bogotá, em 2013, e inabilitado, recorreu à CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), que declarou que a punição era indevida. A Colômbia acatou a decisão e Petro foi reconduzido ao cargo. Pode ser presidente hoje por causa disso.
No meu caso, fui inabilitado em 2008 e também levei meu caso à CIDH. Em 2012, a corte também decidiu a meu favor, mas Hugo Chávez ignorou essa decisão.
Petro não deveria ficar calado ante a inabilitação de María Corina por questões ideológicas. Deveria defender que caíssem as inabilitações de opositores. Do contrário, parece que não se lembra que ele mesmo passou por isso.
Raio-X | Leopoldo López, 52
Nascido em Caracas, teve seu primeiro cargo público em 2000, quando foi prefeito do distrito caraquenho de Chacao por dois mandatos consecutivos. É o coordenador nacional do partido Voluntad Popular e esteve preso de 2014 a 2019, acusado de incitar a desordem pública.
Em 2020, escapou da Venezuela e passou a viver entre Madri e Washington. Participa do World Liberty Congress, que reúne opositores a regimes autocratas.
Formado em economia, com mestrado em Harvard, é casado com a ativista Lilian Tintori, com quem tem três filhos.