A primeira sensação foi a de que uma avalanche invisível envolvia o meu quarto. O tremor parecia vir de cima, acompanhado de um ruído que associei ao improvável estouro de inúmeros canos de água. Tardou alguns segundos até eu perceber que estava em um terremoto. Abalos sísmicos são súbitos e não mandam anúncios.
Eu havia chegado a Marrakech seis horas antes, de trem, vinda de Fez. Fui jantar com os amigos com quem viajava no restaurante marroquino Le Tanjia, em uma praça que se transformaria em refúgio para famílias que tiveram suas casas destruídas ou comprometidas pelo tremor. Mas naquele momento, não havia prenúncio do que viria em seguida.
Às 23h11, já tínhamos voltado ao hotel, e eu estava prestes a cair na cama depois de um dia exaustivo. Foi quando o quarto começou a chacoalhar. Sem saber bem o que fazer, fui para baixo do batente da porta que levava ao banheiro —não havia mesa nem outra estrutura sob a qual me esconder. Tudo foi muito rápido.
Assim que o tremor passou, o som de vozes e passos dos outros hóspedes começou a entrar em meu quarto. Meu amigo José Carlos bateu em minha porta para ver se eu estava bem. Fernanda, que completa o nosso trio viajante, me ligou por WhatsApp do seu quarto no térreo —eu estava no primeiro andar.
Não sei bem como, mas minutos depois eu estava vestida, ao lado de meus amigos e dos demais hóspedes, seguindo as orientações de Ismail, o heroico gerente de nosso Riad, nome das típicas construções marroquinas com pátios internos para os quais as janelas e portas dos quartos se abrem.
Fomos todos para uma praça próxima, onde moradores de Marrakech e turistas se reuniram sem saber ao certo o que esperar. Como os terremotos, os possíveis tremores secundários são súbitos. Comecei a buscar na internet informações e estatísticas sobre abalos sísmicos, na esperança de me convencer de que estávamos seguros. Descobri um termo novo, “foreshock”, um tremor que pode ser seguido por outro ainda mais forte. Comecei a ficar tão assustada quanto as crianças que estavam a meu redor.
Só na manhã de sábado percebi o quanto fomos poupados. Com exceção de dois grandes vasos quebrados, nosso Riad não sofreu danos. Apesar do susto e do medo de “aftershocks”, voltamos a nossos quartos no início da madrugada e conseguimos dormir por algumas horas.
Quando nos aventuramos pelas ruas próximas a nosso hotel pela manhã, começamos a encontrar escombros de fachadas de casas e tetos derrubados. Algumas ruas estavam intransitáveis. Na praça onde jantamos na noite anterior, famílias se espalhavam pelo chão, sobre pequenos tapetes, esperando serem levadas para abrigos ou receberem autorização para voltarem a suas casas. Quando olhei para o restaurante La Tanjia, vi que o teto do prédio ao lado havia desmoronado.
A região mais afetada pelo terremoto em Marrakech foi a Medina, a cidade medieval murada que é o coração da cidade. Em todo o país, mais de mil pessoas morreram, a maior parte na cadeia de montanhas Atlas, o epicentro do terremoto.
A principal mesquita de Marrakech, chamada Koutoubia, ficou danificada depois de seu minarete construído no século 12 ser chacoalhado pelo tremor, em uma cena impressionante registrada em vídeo. Na vizinha praça Jemaa el-Fnaa, principal atração turística da cidade, tratores limpavam os escombros de outra mesquita parcialmente destruída.
Turistas, como nós, se misturavam aos moradores nas ruas, em um cenário incongruente. As fotos instagramáveis foram substituídas pelos registros dos escombros. Apesar da destruição, havia lojas e barracas abertas, nas quais estrangeiros se dedicavam a uma das principais atividades locais, a barganha. As atrações turísticas foram fechadas e não está claro quando serão reabertas.
Fora da Medina, Marrakech foi poupada. Em Guéliz, o bairro de largas avenidas construído pelos colonizadores franceses, não havia sinais de destruição. Cafés e restaurantes funcionavam normalmente. O único reflexo do tremor foi o fechamento de algumas grandes lojas, como H&M e Adidas.
De volta à Medina, no fim da tarde, a vida aos poucos voltava ao normal. Filas de charretes aguardavam turistas ao lado da Jemaa el-Fnaa e vários artesãos e vendedores começavam a tomar a praça à espera da multidão que a ocupa todas as noites.