A Opus Dei reúne hoje 95 mil integrantes em todo o mundo, alguns deles altamente influentes. Nos Estados Unidos, por exemplo, diz-se que seus membros foram centrais para a guinada conservadora do Judiciário do país. Já dentro da Igreja Católica, eles estiveram à frente do gabinete de imprensa e do banco do Vaticano.
Conexões como essas alimentaram uma ideia da Opus Dei tal como ela é retratada no livro “O Código da Vinci”, best-seller de Dan Brown, e em sua subsequente adaptação para o cinema. Desde o lançamento do thriller, aliás, a presença de membros do grupo entre a elite global tem alimentado especulações sobre a sua influência em campos como os negócios, a política e a educação.
Menos conhecidas são as mulheres cujo trabalho sustentou a Opus Dei por décadas. Chamadas de “numerárias auxiliares”, elas dedicam suas vidas à organização prestando serviços domésticos. Em muitos casos, fazem-no sem remuneração e contra a sua vontade.
Recrutadas ainda jovens, vindas do campo ou da classe trabalhadora com a promessa de receberem educação, várias delas dizem ter sido manipuladas e coagidas a trabalhar em regimes análogos à escravidão.
Quando finalmente conseguiram deixar a Opus Dei, não tinham nada em seu nome —a maioria nem sequer tinha contas bancárias.
A reportagem entrevistou 16 ex-numerárias auxiliares que trabalharam de forma não remunerada para a Opus Dei entre 1977 a 2020 na Europa, nos Estados Unidos, na América Latina e na África.
Aquelas cujas histórias são contadas nesta reportagem são as primeiras a falar publicamente sobre sua experiência Opus Dei. Elas o fazem em um momento de intensa transformação do status da organização dentro da Igreja e de questionamentos a alguns de seus princípios —incluindo o papel das numerárias auxiliares.
Anne Marie Allen, 61
O monsenhor espanhol Josemaría Escrivá fundou a Opus Dei —obra de Deus, em latim— em 1928, buscando ajudar católicos comuns a alcançar o sagrado por meio de tarefas cotidianas.
Para ele, não era necessário entrar em um convento ou mosteiro para levar a fé a sério. Fiéis podiam ser advogados, professores ou funcionários públicos e ainda assim dotar sua vida de significado religioso. A Opus Dei mostraria como.
Quando Anne Marie Allen chegou à sede da Opus Dei em Ballyglunin, no oeste da Irlanda, no final dos anos 1970, a organização estava se tornando uma força ascendente na Igreja Católica. Aos 15 anos, ela nunca tinha ouvido falar de Escrivá, no entanto.
A jovem vinha de um vilarejo do condado de Cork, no sudoeste do país, e havia decidido ser cozinheira. Quando duas mulheres chegaram no lugar onde ela morava meses antes oferecendo um treinamento seguido de um emprego, ela mal pôde acreditar na sua sorte.
Seis meses depois, o treinamento não era o que ela esperava. As alunas cozinhavam e limpavam o dia todo para os hóspedes, que vinham para a mansão em retiros religiosos. Ela não estava aprendendo, e sim trabalhando.
Quando as administradoras da propriedade permitiam que as estudantes fizessem um intervalo, muitas vezes a levavam para uma caminhada. Foi em um desses passeios que Anne Marie ouviu falar pela primeira vez em “vocações”.
As “vocações” da Opus Dei podem assumir diversas formas. Mais de 20 mil de seus membros são celibatários, e a maioria desses vive em locais onde só há pessoas de seu mesmo sexo.
“Numerários”, como eles são conhecidos, passam boa parte de seus dias orando e várias semanas do ano em retiros da organização. Os sacerdotes, cerca de 2.000 desses 20 mil, são numerários ordenados.
Já a maioria dos integrantes da Opus Dei é formada por “supernumerários”. Esses não só têm menos obrigações espirituais como podem se casar e viver em suas próprias casas. Espera-se que eles doem a maior parte de seus ganhos para a entidade, no entanto, exceto uma modesta quantia para sobreviver.
Quando disseram a Anne Marie que ela tinha uma vocação, ela se imaginou como supernumerária. Mas ela estava enganada. Segundo um padre em Ballyglunin, seu chamado era para ser uma numerária auxiliar.
Numerárias auxiliares são um tipo pouco conhecido de membro da Opus Dei. Assim como os numerários, elas são celibatárias e vivem em retiros da organização. Mas deveriam “dedicar suas vidas ao trabalho manual ou tarefas domésticas” pelo resto da vida. Há cerca de 4.000 numerárias auxiliares na Opus Dei hoje.
Anne Marie decidiu se juntar oficial à organização durante uma viagem a Roma patrocinada pela Opus Dei. Um numerário advertiu-a de que ela não deveria contar a novidade para a família imediatamente. “Eles não vão entender sua vocação.”
Em 1981, o arcebispo de Westminster, principal líder da Igreja Católica no Reino Unido, era o cardeal Basil Hume. Alarmado pelas histórias que ouviu sobre o grupo, ele alertou o grupo a não recrutar menores e afirmou que, quando esse fosse o caso, os pais tinham que estar envolvidos em sua decisão de ingressar.
A partir do momento em que Hume tornou suas preocupações públicas, Anne Marie começou a receber ligações frequentes de sua família. Ela tinha 19 anos, e na época vivia em um imóvel da organização no condado de Meath, no leste.
Seu pai foi visitá-la na época. Ao ver a filha e as demais alunas comendo sobras dos pratos que serviam aos numerários em porcelana fina diretamente de uma toalha de mesa marrom, murmurou: “meu Deus”.
As suspeitas dos pais de Anne Marie em relação a Opus Dei se intensificaram à medida que o aniversário de 21 anos dela se aproximou. Para acalmá-los, Mary Magrath, diretora do retiro, acompanhou-a em uma visita à casa da família.
Em determinado momento, Magrath anunciou que estava indo e que pretendia buscar a pupila no dia seguinte, depois da missa. Os pais de Anne Marie se levantaram e agarraram a filha pelos braços. “Ela não vai a lugar nenhum,” disse o pai.
Aos poucos, Anne Marie parou de frequentar a igreja diariamente e a responder a ligações e cartas vindas do retiro da Opus Dei. Ela tinha voltado para a casa há mais de um ano e não havia se comunicado com ninguém da organização quando, enquanto aguardava uma consulta na sala de espera do hospital local, deparou-se com Magrath.
Anna Marie não fazia ideia de como havia sido encontrada. O rosto de sua ex-tutora essa lívido de raiva. “Você está vivendo em pecado”, vociferou
A jovem tinha começado a estudar para seu exame final na escola, que deveria ter feito aos 18 anos. Trabalhava como cozinheira em um convento local, onde era bem tratada, e com o dinheiro pagava um curso preparatório à noite. Havia feito amigos além de seus irmãos.
“Eu não vou,” disse Anne Marie. Perplexa, Magrath se levantou e puxou-a pelo braço. Anne Marie agarrou-se à parede. “Eu não vou!”, gritou.
Teena Fogarthy, 61
Teena Fogarty tinha 12 irmãos. Chegou a uma propriedade da Opus Dei em Dublin, a capital irlandesa, em 1978, aos 16 anos, depois que a mãe viu uma propaganda numa revista.
O anúncio oferecia um curso de culinária e administração doméstica de dois anos. Seu pai aprovou a ideia de um lugar onde só garotas viviam, em especial depois de saber que ele abrigava uma capela. Não havia qualquer menção a Opus Dei.
As mulheres e garotas que viviam no local, chamado Crannton, formavam a “administração”. O termo se refere tanto às responsáveis pelo trabalho doméstico de um retiro da Opus Dei quanto à área em que elas vivem.
Muitos membros da Opus Dei são celibatários, e Escrivá achava que o melhor a fazer por eles era evitar tentações. Assim, os retiros da organização são divididos por alas masculina e feminina, e os imóveis onde eles funcionam são escolhidos de acordo com sua capacidade para esconder a “administração” dos residentes homens, com entradas separadas por sexo, divisórias e portas com fechaduras duplas.
Diretrizes da Opus Dei da época afirmavam inclusive que homens e mulheres não deveriam conversar ou ver uns com os outros e saber seus respectivos nomes — “a administração perfeita não é vista nem ouvida”, ditavam elas.
A verdade é que as garotas em Crannton sabiam os nomes dos homens por causa das etiquetas bordadas em suas cuecas, que elas lavavam e entregavam de volta aos seus quartos. Quando serviam refeições para os homens, faziam-no em silêncio enquanto eles olhavam para frente. Tudo o que eles conseguiam ver eram as luvas brancas que elas usavam.
Teena ficou triste a partir do momento em que foi admitida. Logo depois, ganhou um cilício, espécie de corrente de metal cheia de espinhos que ela deveria amarrar em torno da coxa por duas horas todos os dias, e uma “disciplina”, um chicote com nós nas pontas com a qual ela deveria agredir as próprias costas quando rezava a Ave Maria.
As chamadas “mortificações” fazem parte do plano espiritual cotidiano da Opus Dei, e não se limitam a punições corporais. Impor castigos a si mesmo é uma maneira de imitar a vida de Cristo, de carregar a cruz ao seu lado.
Teena, por exemplo, era encorajada a oferecer qualquer sofrimento a Deus, por menor ou transitório que fosse: sentar-se em uma posição desconfortável, negar-se a comer alimentos de que gostava.
Ela parou de comer, e a cada mês apertava mais o cinto do uniforme, até que já não restava mais nenhum furo.
Quando escrevia para a família, porém, não sabia o que podia falar. Os numerários liam tudo o que ela enviava ou recebia —segundo eles, para protegê-la de pensamentos imorais.
Ao longo dos anos, Teena tentou fugir algumas vezes, mas fracassou em todas elas. Em 1987, aos 25 anos, foi transferida para Londres, e passou a morar em uma residência feminina do lado da sede da Opus Dei, perto do Palácio de Kensington.
O lugar em que Teena morava na época era uma das “obras corporativas” da Opus Dei, termo usado para se referir a instituições como escolas, universidades e residências estudantis em que a organização atua como guia espiritual. A Universidade de Navarra na Espanha, fundada por Escrivá em 1952, é um exemplo, e sua escola de negócios em Barcelona, IESE (Instituto de Estudos Superiores para Empresas), tem um dos melhores MBAs da área.
A maioria das “obras corporativas” não pertence diretamente à Opus Dei —que não é uma empresa formal—, e sim a grupos de caridade criados por seus membros. Essa estrutura e o fato de que os nomes dessas instituições não fazem menção a Opus Dei alimentam acusações de que organização as utiliza para ocultar ativos. Também limita a responsabilidade legal dos religiosos, já que contratos de trabalho são de responsabilidade dos indivíduos ou das entidades que os administram.
É quase impossível estimar o patrimônio das obras corporativas da Opus Dei. As contas das sete organizações de caridade cujos principais centros estão no Reino Unido declaram ativos que ultrapassam os R$ 400 milhões.
Isso parece uma estimativa tímida, dado que outra caridade afiliada à Opus Dei, a Fundação Educativa Dawliffe Hall, nesse momento está vendendo duas mansões em Londres por cerca de R$ 150 milhões.
As possibilidades de Teena pareciam melhores em Londres. Após outra tentativa de fuga, ela implorou para estudar em uma politécnica nos arredores da cidade, e o diretor acabou cedendo.
Num dia em que um numerário não pôde acompanhá-la, Teena foi comer pizza com um colega depois da aula. Naquela noite, ela confessou o que fez, e no dia seguinte embarcou numa viagem de quatro horas de carro para o norte até Thornycroft Hall, um retiro a 2 km de qualquer outra propriedade.
Lá, Teena tentou se matar duas vezes. Em determinado momento, os numerários disseram que não havia mais nada capaz de resolver o seu “espírito ruim”.
Na viagem de volta para a casa da família, Teena oscilava entre a euforia e um terror profundo. Agora que tinha conseguido fugir, ela achava ao mesmo tempo que podia fazer o que quisesse e morrer em uma questão de segundos.
Aos 33 anos, ela pesava 43 kg. A mãe e a irmã que foram recebê-la na estação de trem acharam que ela parecia uma criança. Quando ela saltou do trem, elas abriram os braços e não fizeram nenhuma pergunta. “Tudo bem, você está em casa”, disseram.
Numerários foram visitar Teena algumas vezes, mas ela nunca voltou a um retiro. Ela morava com a irmã mais velha, que ficou impressionada com o quanto a caçula ficava mais à vontade na companhia das sobrinhas adolescentes do que na de adultos. Elas tinham a mesma idade que Teena tinha quando saiu de casa para o retiro.
Monica Espinoza, 55
Monica Espinoza nasceu e cresceu na Bolívia junto aos nove irmãos. As oportunidades no seu vilarejo natal eram escassas e, em 1986, aos 16 anos, ela e uma irmã foram enviadas para a Argentina para concluírem os estudos.
Durante a longa viagem de ônibus, uma mulher ficou amiga delas. Elas mantiveram contato e, no ano seguinte, ambas foram admitidas no grupo, tornando-se numerárias assistentes.
Inspirado pela época em que Jesus trabalhava como carpinteiro, Josemaría Escrivá ensinava a seus seguidores que o caminho para o céu passava pelas tarefas do cotidiano.
Por isso, Monica e as demais jovens que trabalhavam com ela em um retiro o faziam como se sua salvação dependesse disso.
Escrivá dizia ainda que descansar era perigoso. “Satanás e seus aliados nunca tiram férias”, ele alertava. “É preciso lutar contra a tendência de ser leniente demais consigo mesmo.” Desse modo, as numerárias auxiliares só faziam pausas para dormir, comer ou rezar.
Depois de trabalhar na Argentina, Monica foi chamada para ir a Roma, uma oportunidade difícil de recusar. Viajou para a Itália com um visto de estudante, embora não estivesse no seminário da Opus Dei para estudar, e sim para limpá-lo e cozinhar para os 200 homens que lá viviam.
O seminário, o colégio Romano de Santa Cruz, consiste em um complexo de vilas. Uma rede de corredores subterrâneos apelidada de “metrô” conecta o lugar onde as mulheres vivem ao dos homens.
Monica não era paga por seu trabalho, e salários nunca foram nem mencionados. Ela tinha alguns euros de crédito por mês para gastar com o básico: sabonetes, absorventes, pasta de dente. Na maioria das vezes, numerários pegavam esses itens de um depósito e davam a ela. Quando permitiam que ela fosse a uma loja —uma ou duas vezes por ano— ela voltava com recibos, conforme instruído.
Em ocasiões especiais, as numerárias auxiliares eram autorizadas a entrar em uma piscina especial para mulheres. Mas raramente conseguiam. Seu tempo de descanso consistia em três horas, uma vez por semana, e uma vez por mês elas podiam sair durante o dia, contanto que voltassem para preparar o jantar.
Certo dia, depois de ela ser repreendida por ligar para casa sem permissão para desejar feliz aniversário para a mãe, ela começou a ter insônia. Seu ritmo de trabalho diminuiu.
Disseram a ela que, se ela não voltasse ao normal, teria que voltar para a Argentina. Monica tinha 32 anos e estava em Roma há sete. Estava feliz de partir.
Dois anos depois de seu retorno, em outubro de 2002, o papa João Paulo 2º deu a Opus Dei um sinal de apoio inequívoco à Opus Dei ao canonizar Escrivá diante de 300 mil pessoas na praça de São Pedro.
O status da organização dentro da Igreja Católica mudaria sobretudo após a renúncia de Bento 16, em 2013, e o início do pontificado do papa Francisco, um jesuíta argentino.
Seus conterrâneos ficaram eufóricos com a escolha do primeiro papa não europeu da história moderna. Mas Monica tem dificuldade para recordar os detalhes das celebrações. Naquela época, tomava uma série de remédios e sofria de exaustão crônica e depressão. Em algumas noites, passava roupas até 2h. Um numerário a acompanhou a um médico, outro membro da Opus Dei, que deu a ela pílulas para dormir.
A irmã de Monica, que havia deixado a Opus Dei anos antes, depois de um colapso, começou a se preocupar com ela. Para se comunicar mais facilmente com ela, presenteou-a com um iPad falsificado e instruiu-a a escondê-lo de superiores.
Um dia, Monica abriu o navegador e digitou “Opus Dei”. Logo encontrou um site em espanhol, “Opus Libros”, no qual ex-membros da organizavam contavam suas experiências em publicações anônimas. Quase todo parágrafo trazia lágrimas aos olhos de Monica.
Ela queria entrar em contato com o fundador do site, mas o diretor de seu centro conhecia suas senhas de e-mail e das redes sociais. Levou vários meses, mas um dia ela elaborou um plano. Pediu permissão para visitar um parente doente. Quando disseram a ela que não havia dinheiro para isso, sua irmã enviou a passagem.
Em 2015, ela deixou a Argentina em direção à Bolívia. Dois anos depois, o monsenhor Fernando Ocáriz foi eleito como o novo chefe, ou prelado, da Opus Dei. Ao contrário dos prelados anteriores, que rapidamente ganharam o título de bispo do papa na época, ele não mudou de posição. Para muitos, aquele foi um sinal de que a Opus Dei se desidratava.
Denúncias contra o Vaticano
No mês passado, a reportagem testemunhou a participação de Anne Marie, Teena e Monica em um fórum de discussão semanal virtual sobre a Opus Dei criado em 2020 por ex-integrantes da organização.
Monica foi a primeira das três mulheres a encontrar a comunidade. Ela tinha 48 anos quando deixou a Opus Dei e não possui qualificações. Hoje, aos 55, trabalha como faxineira e vive com a família da irmã nas Ilhas Baleares, na costa espanhola.
Em 2021, Monica e outras 42 ex-numerárias auxiliares latino-americanas denunciaram a Opus Dei por escravidão na imprensa argentina. Elas são representadas por um advogado, mas ainda não entraram com uma ação civil. Em resposta, a organização católica criou um escritório para lidar com as acusações e pediu às suas obras corporativas na região para “revisar questões trabalhistas e de segurança social” com que trabalham. A polícia da Argentina investiga o caso.
Anne Marie saiu da Opus Dei quando era muito mais jovem do que Monica ou Teena e conseguiu compensar os anos de estudo perdidos, obtendo sucesso em uma carreira no serviço prisional irlandês. Aos 61, trabalha como coach executiva.
Ela tentou por vários anos entrar em contato com ex-numerárias auxiliares na Irlanda, incluindo Teena, mas teve pouca sorte. No final de 2021, quando estava quase desistindo, soube da denúncia argentina.
Uma semana depois, ela tinha entrado na comunidade de ex-membros da Opus Dei, e por volta da mesma época, enfim obteve contato com algumas de suas colegas irlandesas.
Teena não mora mais na Irlanda. Após um período de recuperação, ela passou um tempo no Reino Unido e hoje, aos 61, vive em uma cidadezinha na Espanha.
Ao contrário de Anne Marie e Monica, ela só começou a falar abertamente sobre a Opus Dei recentemente. Trabalha como tutora de inglês. Sua situação financeira não é fácil, mas ela ainda tem surtos de euforia de vez em quando por estar livre.
Além de numerárias auxiliares, a reportagem entrevistou 40 membros antigos e atuais da Opus Dei. A maioria confirmou que testemunhou numerárias auxiliares serem exploradas por seu trabalho.
Antes mesmo que o Financial Times entrasse em contato com a assessoria de imprensa da Opus Dei no Reino Unido, seu representante escreveu dizendo que ela não tinha nada a esconder”. Segundo ele, o trabalho doméstico dos retiros atualmente é compartilhado e os numerários preparam o próprio café da manhã e lavam a própria louça após o jantar.
Questionado sobre algumas denúncias específicas, o escritório central da Opus Dei em Roma respondeu por meio de um porta-voz. “Todas as experiências são válidas, e se algumas pessoas se machucaram enquanto estavam na Opus Dei, sentimos muito.”
Várias numerárias auxiliares que desempenham a função atualmente disseram à reportagem que escolheram sua vocação livremente. A Opus Dei também afirmou que elas não têm mais condições de vida ou de tratamento inferiores em comparação com outros integrantes da entidade e que ela hoje tem diretrizes para “evitar qualquer tipo de assimetria no tratamento, estilo de vida e aspectos materiais entre os membros da Opus Dei”.
Isso pareceu ser verdade para as numerárias auxiliares com que o Financial Times conversou. Elas têm contas no Instagram, dirigem carros e estudam em universidades, e são pagas pelo trabalho que desempenham.
Vários membros da Opus Dei em outros países, principalmente na América Latina, afirmaram, contudo, que o sistema de tratamento desigual ainda persiste.
A maioria dos retiros mencionados no texto têm novos gestores, mas a reportagem conseguiu entrar em contato com alguns dos antigos funcionários. Em uma longa carta, Mary Magrath, 60, rejeitou vários detalhes da narrativa de Anne Marie. “A acusação de que tentei forçá-la a vir comigo é totalmente falsa.”
Essas explicações não são suficientes para Teena, Anne Marie e Mônica. No ano passado, elas foram testemunhas de uma denúncia sobre a Opus Dei dirigida ao Vaticano. O documento de 20 páginas acusa o grupo de ser uma “seita destrutiva” e de atuar como cúmplice no tráfico humano, além de pedir a intervenção do papa Francisco. A Opus Dei nega categoricamente as imputações.
Há sinais de que o líder da Igreja Católica esteja ouvindo. Ele recentemente publicou emendas ao direito canônico que abalaram a posição da Opus Dei dentro do catolicismo, extinguindo oficialmente a linha direta da organização com o papado e enfatizando a autoridade de bispos locais. A entidade foi obrigada a revisar seus estatutos em razão das mudanças.
A medida de Francisco vem sendo interpretada como uma tentativa de reduzir o poder da Opus Dei. Mas a saúde frágil do líder de 87 anos desencadeou uma campanha de lobby conservadora para influenciar o próximo conclave a eleger um papa menos liberal.
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