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Lei de segurança nacional destrói democracia de Hong Kong – 19/03/2024 – Mundo

O homem morto estava muito morto, mas tinha que ser morto. A recente aprovação de uma controversa lei de segurança nacional em Hong Kong põe fim ao que Hong Kong era em 1997, ano em que a China recuperou a soberania sobre a ex-colônia britânica após um século e meio.

Há 27 abis, o território era o melhor exemplo de prosperidade e liberdade na Ásia. Um modelo de sucesso baseado no Estado de Direito, em instituições sólidas, na separação de Poderes e em uma sociedade civil vibrante, incluindo uma imprensa que exercia incansavelmente sua função de fiscalizar o poder.

Praticamente nada disso permanece até hoje. A promulgação da Lei de Segurança Nacional, que elabora, de acordo com o Artigo 23 da Lei Básica (a chamada mini-Constituição da ilha), os crimes de traição, secessão, sedição ou subversão contra o governo central, entre outros, de certa forma conclui a devolução de uma Hong Kong finalmente trazida de volta à disciplina do Partido Comunista Chinês como apenas mais uma província chinesa.

Há um quarto de século, muitos otimistas acreditavam que a democratização da China seria inevitável. Hoje, a realidade é bem diferente: uma Hong Kong democrática destruída.

ONGs e vozes dissidentes criticam a definição “ampla e imprecisa” de termos como “segredos de Estado” ou “interferência estrangeira”, bem como a severidade das penalidades previstas na lei.

Acusados de traição, insurreição e incitação a motim, os membros das Forças Armadas chinesas podem pegar prisão perpétua. Para espionagem ou sabotagem que coloque em risco a segurança nacional ou danifique a infraestrutura pública, até 20 anos.

E até 14 anos por envolvimento em atividades de organizações proibidas, 10 anos por revelar segredos de Estado e 7 anos por sedição, uma acusação que não exige o requisito de “intenção violenta”.

De acordo com o The Times, os habitantes de Hong Kong podem “ser condenados e presos por sedição por manterem cópias antigas de jornais”, como o Apple Daily, um jornal pró-democracia que foi fechado.

A nova legislação também introduz o crime de “traição por imprudência”, punível com até 14 anos de prisão para qualquer pessoa que saiba de uma conduta que “prejudique a segurança do Estado” e não a denuncie. Também prevê a detenção policial sem acusação por até 16 dias e a negação de representação legal em 48 horas.

A tentativa anterior de introduzir essa legislação fracassou em 2003, depois que a rejeição popular generalizada e uma manifestação de meio milhão de pessoas forçaram as autoridades a retirá-la.

Agora, como um sinal de como as coisas mudaram em Hong Kong, a lei foi aprovada com unanimidade patriótica no Legislativo local: 89 votos a favor e zero contra. Entretanto, os críticos não têm dúvidas sobre o verdadeiro objetivo da lei: silenciar qualquer crítica às autoridades e garantir que a menor dissidência não fique impune.

Para Chris Patten, o último governador britânico da ex-colônia, trata-se de “outro grande prego no caixão dos direitos humanos e do Estado de Direito em Hong Kong e mais uma vergonhosa violação da Declaração Conjunta”.

A Declaração Sino-Britânica de 1984, um tratado internacional vinculativo assinado por Margaret Thatcher e Deng Xiaoping, concordou com a entrega do poder e os termos de transição. Eles incluíam o compromisso de Pequim de conceder um alto grau de autonomia e manter os valores de Hong Kong até 2047, tudo sob a fórmula de “um país, dois sistemas”, que encaixou o capitalismo de Hong Kong no sistema autoritário chinês.

Os direitos e liberdades, a independência judicial, o Estado de Direito e a liberdade de imprensa e associação foram garantidos por 50 anos.

Mas Pequim foi rápida em desonrar esse compromisso. A interferência do governo chinês em Hong Kong e a percepção da população de que suas liberdades estavam sendo corroídas provocaram a “Revolução dos Guarda-Chuvas“, em 2014.

As chamadas forças pró-democracia que resistiam à integração acelerada de Hong Kong à China continental saíram às ruas, paralisando intermitentemente a cidade durante cinco anos de caos e batalhas campais com a polícia.

Em 2020, Pequim disse que já era o bastante e impôs a lei de segurança da China a Hong Kong. Centenas de ativistas e estudantes foram detidos. Desde então, pelo menos 68 foram condenados e estima-se que mais de 200 mil habitantes de Hong Kong tenham sido forçados a emigrar.

Muitos ativistas e ONGs, incluindo a Anistia Internacional ou a Human Rights Watch, e muitos jornalistas e veículos de mídia, como o New York Times, o Wall Street Journal ou a AFP, tiveram que transferir suas sedes regionais para fora de Hong Kong. O êxodo de capital, talentos e empresas é imparável.

Em 2021, Hong Kong alterou a lei eleitoral para reduzir o número de assentos de sufrágio universal eleitos diretamente no Conselho Legislativo para 22% e introduziu um requisito de elegibilidade patriótica na pré-seleção de candidatos. Isso explica a votação unânime sobre a lei de segurança interna.

O Chefe do Executivo de Hong Kong, John Lee, disse que a lei protege contra invasores. “Devemos entender corretamente que deve haver um país em vez de dois sistemas, e os dois sistemas não devem ser usados para resistir a um país”, concluiu. Uma Hong Kong irreconhecível para aqueles de nós que viveram lá.

Fonte: Folha de São Paulo

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