O Exército de Israel disse nesta terça-feira (19) ter matado mais de 50 pessoas e detido outras 180 durante uma operação no maior hospital da Faixa de Gaza, o Al-Shifa, na última segunda (18). A informação atualiza a cifra de 20 mortes e 80 prisões divulgada por Tel Aviv horas após a ação.
Os militares alegam que os mortos estavam armados e que o centro de saúde estaria sendo usado por líderes do Hamas, o que o grupo terrorista e os funcionários do hospital negam. Entre os mortos estão o chefe de segurança interna da facção, Faiq Mahbouh, de acordo com o Exército e com o Hamas, e um soldado israelense.
Considerado o principal hospital do território palestino até o início do conflito, o Al-Shifa é atualmente uma das poucas instalações de saúde parcialmente operacionais no norte de Gaza após quase todas as outras colapsarem por escassez de suprimentos e falta de condições de trabalho devido aos combates. A última operação é a segunda que o hospital enfrenta desde o início da guerra —na primeira, em novembro, Israel foi duramente criticado pela ação.
Dentro do hospital, o cenário era de pânico, segundo pessoas que estavam no prédio. À BBC o vice-diretor do departamento de emergência do Al-Shifa, Amjad Eliwah, afirmou que havia cerca de 20 médicos, 60 enfermeiras e centenas de pacientes no local. Ele estava em contato com colegas que permaneciam no interior do centro médico.
“Qualquer pessoa na área do hospital foi alvo”, disse o médico à rede britânica. “Há muitos feridos, pessoas estão sangrando. Minha equipe está escondida nos corredores –eles receberam ordens de um alto-falante para não se moverem.” Ainda de acordo com o relato de Eliwah à BBC, Israel invadiu duas escolas nas proximidades do hospital que eram usados por deslocados, prendeu os homens que estavam ali e ordenou que as mulheres saíssem do local.
Horas após a operação, a emissora do Qatar Al Jazeera afirmou que, durante a incursão, as forças israelenses detiveram e agrediram o correspondente Ismail al-Ghoul e destruíram um veículo usado pela equipe da rede de televisão. O Departamento de Estado dos Estados Unidos disse ter pedido informações a Israel sobre esse relato.
Principal aliado de Israel, Washington fez um novo esforço nesta terça para tentar evitar que a fome se alastre ainda mais pelo território palestino e que Tel Aviv siga com seus planos de uma ofensiva terrestre em Rafah, último refúgio para mais de um milhão de deslocados.
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken anunciou uma viagem ao Oriente Médio, onde se encontraria com líderes do Egito e da Arábia Saudita para “discutir a construção correta para uma paz duradoura”. Blinken não mencionou uma parada em Israel, e o Ministério das Relações Exteriores em Jerusalém disse que não recebeu nenhuma notificação para se preparar para a visita.
Enquanto isso, Em Rafah, sobreviventes atordoados caminhavam pelas ruínas de uma casa na manhã desta terça, uma das várias construções atingidas nos ataques aéreos israelenses durante a noite que mataram 14 pessoas na cidade.
A situação ali é uma das mais delicadas do conflito. Mais da metade dos 2,3 milhões de habitantes da Faixa de Gaza se espremem nessa região na fronteira com o Egito que, antes da guerra, era lar de cerca de 280 mil palestinos. Atualmente, esse é o único grande centro urbano de Gaza que Tel Aviv ainda não invadiu com tropas, embora seja alvo frequente de bombardeios.
Após uma conversa por telefone entre o presidente dos EUA, Joe Biden, e o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, disse que Washington queria discutir os planos militares antes de qualquer ataque a Rafah.
“Nossa posição é que (…) uma grande operação terrestre lá seria um erro”, disse Sullivan a jornalistas. “Mais importante, os objetivos-chave que Israel quer alcançar em Rafah podem ser alcançados por outros meios.”
Em um necrotério hospitalar próxima à casa destruída na cidade palestina durante bombardeios desta terça, parentes lamentavam ao lado dos corpos estendidos no chão. Uma mulher afastou um pequeno sudário manchado de sangue e revelou o rosto de um menino, balançando-o para frente e para trás em seus braços.
“Há apoio dos EUA, apoio europeu e apoio de todo o mundo para Israel. Eles os apoiam com armas e aviões”, disse um dos enlutados, Ibrahim Hasouna. “Eles zombam de nós e enviam quatro ou cinco entregas aéreas [de ajuda humanitária] apenas para deixar uma boa impressão.”
Israel, que no início da guerra impôs um bloqueio completo ao território palestino, passou a permitir, semana depois, a entrada de ajuda apenas por dois postos de controle na extremidade sul de Gaza e diz agora que está abrindo novas rotas por terra, mar e ar.
O monitor internacional da fome, no qual a ONU se baseia, disse nesta segunda que as carências alimentares em Gaza já ultrapassaram os níveis de fome.
Para o chefe de direitos humanos das Nações Unidas, as restrições de Israel à ajuda humanitária podem ser um crime de guerra. “O alcance das restrições contínuas de Israel à entrada de ajuda em Gaza, juntamente com a maneira como continua a conduzir hostilidades, pode constituir o uso da inanição como método de guerra, o que é um crime de guerra”, disse Volker Turk nesta terça.
Israel nega responsabilidade na crise humanitária e diz que a ONU e outros órgãos deveriam fazer mais para levar alimentos e distribuí-los. A organização, por sua vez, diz que isso é impossível sem garantia de segurança, uma responsabilidade de Tel Aviv. Até esta terça, 171 membros de agências das Nações Unidas haviam sido mortos no conflito.
Conversas para um possível cessar-fogo estão sendo retomadas no Qatar, após Israel ter rejeitado uma contraproposta do Hamas na semana passada. Uma delegação israelense chefiada pelo chefe de espionagem do país viajou para o Catar na segunda-feira.
O acordo na mesa prevê uma trégua durante a qual cerca de 40 reféns israelenses seriam libertados em troca de centenas de detentos palestinos. O principal entrave é o período do cessar-fogo —enquanto Israel diz que negociará apenas por uma pausa temporária nos combates, o Hamas afirma que não libertará reféns sem um plano mais amplo para encerrar a guerra.