A escolha de Nikolas Ferreira (PL-MG) como presidente da Comissão de Educação (CE) entusiasmou a direita e levantou a fúria dos parlamentares da esquerda. Ocupar um cargo relevante na Câmara dos Deputados demonstra força política, mas o arranjo legislativo é complexo e deve limitar a atuação do mineiro. A posição de Nikolas deve ter pouco peso na tramitação do Plano Nacional de Educação (PNE), principal proposta a ser discutida em 2024 que definirá as diretrizes da educação pelos próximos dez anos. Em contrapartida, Nikolas deve frear o avanço da ideologia de esquerda em outras pautas. A presidência da CE também permite que o deputado influencie o debate da educação durante as eleições municipais deste ano.
Segundo o ministro da Educação, Camilo Santana, o documento trabalhado na Conferência Nacional de Educação (Conae), repleto de ideologias da esquerda, deve ser a base do projeto de lei do PNE que deve ser apresentado pelo governo Lula ainda em março. O Plano está entre as principais proposições que devem ser debatidas pelos parlamentares em 2024. Caberá ao Congresso Nacional não só diminuir o impacto da ideologização, mas também propor metas e indicadores que melhorem a qualidade na educação do país.
“É bem provável que o PNE nem seja analisado pelas comissões, isso depende muito do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Se for assim, a influência do Nikolas será muito pequena. O que vai ser soberano nessa decisão é o plenário”, analisa o cientista político Felipe Rodrigues.
O esperado é que o governo Lula apresente a proposta já com regime de urgência para ser apreciada diretamente nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Também de acordo com Santana, houve um acordo com os presidentes das Casas para que o PNE seja aprovado até junho. O prazo curto deve dificultar ainda o trabalho dos parlamentares.
Presidência mostra que, além de impacto nas redes sociais, Nikolas tem influência na Câmara
“O papel do presidente de comissão tende a ser superestimado. É muito importante, mas outros papéis são ainda mais importantes como o colégio de líderes, plenário e o próprio presidente da Casa”, afirma Arthur Wittenberg, mestre em políticas públicas pela King’s College London.
Ele explica que abaixo deste grupo mais poderoso, ainda se encontram os líderes dos partidos que individualmente têm prerrogativas decisivas. São eles, por exemplo, que negociam a escolha das presidências das comissões. É o partido o responsável por indicar qual parlamentar deve ocupar a cadeira da comissão conquistada.
A indicação de Nikolas demonstra que o deputado possui prestígio dentro do próprio partido. Apesar disso, para Wittenberg, os presidentes de comissões estariam na terceira posição desta “pirâmide de influência” do Legislativo.
“No caso do Nikolas, há um fenômeno interessante porque ele tem alta influência nas redes sociais. Mas nem sempre a influência on-line de um deputado se consolida em uma influência efetiva na Câmara dos Deputados. O Nikolas conseguiu juntar essa influência on-line e a influência real na Casa”, ressalta Rodrigues.
Nikolas deve dificultar avanço de pautas de esquerda
“O deputado Nikolas tem muito mais poder de não deixar avançar alguma coisa que tenha um cunho muito ideológico de esquerda. Mas não necessariamente ele vai conseguir avançar com a pauta exclusivamente da direita”, analisa Wittenberg. Para ele, segurar as pautas esquerdistas será mais fácil dentro de um Congresso que é de centro-direita.
A grande maioria das proposições que tramita na Câmara dos Deputados não chega a ser discutida no plenário, mas apenas nas comissões. Normalmente, um projeto de lei passa por duas ou três comissões relacionadas às matérias do texto e, muitas vezes, pode ir direto ao Senado Federal. Já o plenário costuma se debruçar sobre projetos mais complexos e polêmicos, especialmente quando há divergências de opinião entre os parlamentares.
“Um projeto de lei para ser transformado em lei passa por um funil muito estreito. Não é toda proposta legislativa que passa em uma comissão que necessariamente vai se tornar lei”, esclarece Wittenberg. O especialista comenta que a proposta normalmente precisa passar ainda por outras comissões, eventualmente, pelo plenário, e depois ser analisado em outras diversas etapas pelo Senado Federal. “O processo é longo”, reforça.
“O presidente da comissão é quem decide qual projeto entra em pauta e tem muito poder para influenciar o próprio rito de votação, esperando ou não um deputado chegar para votar ou encerrando uma votação mais rápido ou mais devagar de acordo com seus interesses, por exemplo”, explicita Felipe Rodrigues.
Dentro da comissão, cabe ao presidente escolher quem serão os relatores dos projetos de lei. Além de pautar os projetos que sejam de interesse da sua base eleitoral, Nikolas poderá escolher entre os colegas que compõem a comissão quem vai analisar cada projeto. “Ao indicar um parlamentar favorável ou não ao projeto, ele poderá facilitar ou dificultar a tramitação dessa proposta”, comenta Rodrigues.
Educação é um tema importante nas eleições municipais e Nikolas poderá contribuir no debate
As eleições municipais polarizam ainda mais as discussões dos projetos nas Casas Legislativas, segundo Rodrigues. “Quem defende o Bolsonaro defende um tipo de educação, e quem defende o Lula defende outro tipo de educação. É um tema normalmente polarizado e muito presente em ano eleitoral”, reitera.
Para ele, o parlamentar vai ter o poder de influenciar o debate e pautar temas que serão levados para as campanhas municipais. “Da mesma forma, o ano eleitoral também pode fazer com que alguns projetos sejam colocados em pauta ou aprovados na CE”, completa.
“A Comissão de Educação pode ser um local importante para, mais do que debater as ideias, dar a possibilidade dos candidatos a prefeito se apropriarem daquele debate nas campanhas eleitorais”, projeta Wittenberg. A força do presidente da CE nas redes sociais deve trazer ainda mais visibilidade para as discussões. O mineiro de 27 anos foi o parlamentar mais votado da última eleição com 1,47 milhões de votos.