Uma das primeiras coisas que Joe Biden fez ao chegar à Casa Branca em 2021 foi pedir que o historiador Jon Meacham renovasse o Salão Oval. O cômodo funciona como escritório formal do presidente americano, cenário de reuniões com outros governantes e aparições públicas. Um palco, por assim dizer.
Meacham pendurou retratos de Alexander Hamilton e Thomas Jefferson, importantes figuras da independência, famosos por discordarem entre si. Biden queria mostrar que a dissonância é normal na democracia. Colocou também um retrato enorme de Franklin Roosevelt em cima da lareira para simbolizar que tipo de legado o líder queria deixar —Roosevelt, que liderou os Estados Unidos entre 1933 e 1945, ficou conhecido por implementar reformas fundamentais no país.
A descrição está na abertura do livro-reportagem “The Last Politician” (o último político, em inglês), que acaba de sair nos EUA. Assinado por Franklin Foer, jornalista da revista The Atlantic, trata-se de um dos primeiros grandes relatos do governo Biden.
A ideia que guia o texto é de que o presidente governa pensando na sua imagem. Para Foer, a preocupação não é narcisista. Biden acreditaria que, depois do governo diluvial de Donald Trump, o país precisa de referências estáveis e inspiradoras. A vantagem do democrata, nesse sentido, é que ele tem décadas de experiência na Casa Branca —foi, entre outras coisas, senador e depois vice-presidente de Barack Obama, entre 2009 e 2017.
Vem daí o título do livro, que descreve Biden como um político tradicional em um país que acaba de ser governado por dois presidentes antipolítica. Tanto Obama quanto Trump fizeram campanha se apresentando como figuras de fora, desacostumadas com os conchavos do “pântano”, expressão utilizada pejorativamente para descrever Washington.
Há valiosos detalhes no livro, fruto de centenas de entrevistas —muitas delas anônimas— com pessoas próximas ao presidente. Mas nada é muito novo ou bombástico. Boa parte do conteúdo já apareceu na imprensa.
Há menções a atritos entre Biden e Obama, por exemplo. Segundo Foer, Biden reclamou certa vez de que Obama é tão educado que é incapaz de praguejar do modo correto: tem a pronúncia da torre de marfim. Só que esse não é o tipo de informação que derruba governos. A intenção é enfatizar a diferença de personalidade entre os dois, Biden vindo da classe média, e Obama, um ex-aluno da universidade de elite Harvard.
Um outro ponto importante no livro, que chamou alguma atenção na imprensa americana, é a revelação de que Biden às vezes confessa estar cansado. Isso tem relevância porque os 80 anos de idade do presidente vão decerto pesar contra ele nas eleições do ano que vem.
Fora isso, é improvável que o leitor, ainda mais o brasileiro, se depare com novidades emocionantes. “The Last Politician” é um relato bastante positivo do governo de Biden, apesar do ceticismo que Foer diz ter mantido durante a apuração. O tom laudatório é às vezes desconfortável.
Biden começou seu governo em um contexto de terra arrasada. Herdou de Trump a má gestão da pandemia de Covid-19, a inflação e uma insurreição considerada um ataque inédito à democracia americana. Somou a isso alguns erros próprios, em especial a retirada desajeitada das tropas americanas no Afeganistão que resultou no retorno da organização terrorista Talibã ao comando do país depois de 20 anos de guerra.
Foer, porém, dá bastante peso aos acertos de Biden. Um exemplo seria a aprovação de importantes medidas econômicas pelo presidente. O livro também sugere que o democrata foi responsável por convencer o mundo a apoiar a Ucrânia. Uma parte importante do texto trata da invasão russa àquele país, com detalhes de bastidores descritos quase como num romance de suspense.
O repórter dá a entender que os sucessos de Biden são resultado dessa mistura entre sua longa experiência na Casa Branca e suas origens mais humildes. Pesa também sua idade avançada, que daria a ele ares de sabedoria.
Como disse Hayden White em seu clássico “Meta-História”, de 1973, os livros históricos também seguem os modelos da ficção. Quando um autor escolhe seu ponto de início e de corte, ele está moldando uma narrativa. No caso de “The Last Politician”, uma narrativa de sucesso.
Foer começa seu relato do governo Biden na posse do presidente e o encerra nas midterms, as eleições de meio de mandato. O saldo do democrata é, nesse caso, positivo mesmo. Ele chegou em meio a um desastre. Mas nas midterms, quando os eleitores costumam punir o governo, conseguiu o feito histórico de evitar a sangria —perdeu poucos assentos na Câmara e manteve o controle do disputado Senado.
O problema do enquadramento que Foer faz no livro é que, bem, o governo Biden ainda não terminou. A reta final é também decisiva, e as eleições de 2024 vão dar a palavra final sobre o legado do presidente.