Os brasileiros estão entre as dez nacionalidades do mundo que mais obtiveram uma cidadania da União Europeia em 2022. Foram 25,9 mil concessões, um aumento de 26% em relação ao ano anterior. Desse total, quase 70% das cidadanias foram obtidas na Itália e em Portugal.
Na lista de beneficiados, o Brasil aparece em sétimo lugar, em meio a nações cujos cidadãos emigraram por causa de guerras, conflitos internos ou dificuldades econômicas. Também está ao lado de países com proximidade geográfica com as fronteiras da UE. Além do Brasil, integram o rol Marrocos, Síria, Albânia, Romênia, Turquia, Ucrânia, Índia, Moldova e Rússia.
Os dados foram divulgados pelo Eurostat, instituto de estatísticas do bloco, e são os mais recentes disponíveis.
Os números do Brasil foram impulsionados pela Itália. Em 2022, o governo italiano concedeu 11,2 mil cidadanias a brasileiros, mais do que o dobro do ano anterior.
Os dados do Eurostat não revelam o modo como as cidadanias são obtidas. A pedido da reportagem, o Istat (instituto de estatísticas italiano) identificou as modalidades dos pedidos que tiveram os brasileiros como beneficiados. É principalmente devido ao direito de sangue (ius sanguinis, em latim, como é chamado) que eles se tornam também italianos. Em 2022, 83% das cidadanias foram reconhecidas seguindo esse critério.
Atualmente, a legislação da Itália, de 1992, concede a cidadania por sangue sem limite de gerações. A estimativa é que existam 30 milhões de descendentes no Brasil, como consequência da emigração de massa ocorrida entre 1870 e 1920, quando 1,4 milhão de italianos entraram no país.
O Parlamento italiano, porém, começou a analisar um projeto de lei de um partido governista que limita a obtenção da cidadania sem necessidade de morar no país até a terceira geração (bisnetos), desde que se comprove que o requerente fale o idioma italiano. Ainda não há previsão de votação em plenário.
Se o parentesco ultrapassar a terceira geração, caso a proposta seja aprovada, será precisa morar por pelo menos um ano na Itália, antes de apresentar o pedido na cidade em que reside. Em todos os casos, passaria a ser exigido certificado de conhecimento da língua, com nível intermediário.
Os dados do Eurostat levam em consideração somente aqueles que moravam no país no momento em que receberam a cidadania. Com isso, os brasileiros que têm a cidadania reconhecida por meio dos consulados, sem virem à Itália, não estão incluídos nessa conta.
Nos números gerais, para todas as nacionalidades beneficiadas, a Itália atingiu sua mais alta cifra histórica e se posicionou como o país que mais garantiu cidadanias na UE (213,7 mil). Em seguida vêm Espanha, Alemanha e França. Portugal aparece em oitavo lugar, com 20,8 mil.
No caso português, os brasileiros são os maiores beneficiados, com 6,4 mil concessões. O grupo representa 31% de todos os estrangeiros de fora da UE que se tornaram portugueses, à frente de Cabo Verde, com 11%. Já na Itália, os brasileiros são o quarto grupo, atrás de albaneses, marroquinos e romenos. Logo depois, em quinto, vêm os argentinos.
As quase 26 mil concessões de cidadania representam o maior número obtido pelos brasileiros na UE, ao menos desde 2017, início da série histórica aberta à consulta. Nesse período, o Brasil sempre esteve entre os dez maiores beneficiados, tendo ficado em quarto lugar em 2017 (20,7 mil) e em 2018 (23,1 mil).
Juntos, os 27 países-membros reconheceram como novos cidadãos quase 1 milhão de pessoas que moravam naquele ano na UE —alta de 20% em relação a 2021. Trata-se do maior número desde 2016, quando foram registradas 843 mil.
“Foi um recorde para a União Europeia, que nunca havia se aproximado do número absoluto de 1 milhão de cidadanias, depois de anos entre 700 mil e 800 mil”, diz à Folha Alessio Menonna, pesquisador estatístico de fenômenos migratórios da Fundação Ismu, de estudos sobre multietnicidade.
As regras para a obtenção de cidadania são determinadas por legislações nacionais que variam de acordo com cada país, sendo umas mais acessíveis que outras. Em geral, é possível se tornar um cidadão da UE por meio do casamento, por tempo de residência no país ou por direito de descendência.
“Os brasileiros são um grupo completamente diferente na interpretação desses números”, diz Menonna. “Assim como argentinos, têm um canal privilegiado devido à possibilidade de reconhecimento da cidadania italiana de antepassados.”
O especialista explica que os três principais receptores de cidadanias italianas –albaneses (38 mil), marroquinos (31 mil) e romenos (16 mil)– são também os maiores grupos de estrangeiros que vivem na Itália, diferentemente dos brasileiros, que ocupam apenas a 19ª posição.
Segundo Menonna, os números italianos recordes de 2022 não têm ligação com uma maior abertura aos imigrantes. Os processos de cidadanias são regidos por leis vigentes e não por vontade política do governo da vez -agora, o partido da premiê conservadora Giorgia Meloni tenta endurecer as regras.
Uma das razões para a alta pode estar ligada a uma recuperação dos meses da pandemia de Covid, quando foram impostas restrições à entrada de estrangeiros e aos funcionamento de serviços públicos, o que levou a um acúmulo de demanda.