Antes da guerra, era difícil olhar para Volodimir Zelenski e não achar que ele fosse uma espécie de piada. Ele, afinal, era um ator que conquistara a Presidência da Ucrânia por ter representado, numa série televisiva, o papel de um cidadão comum que se vê eleito presidente após viralizar ao fazer uma crítica aos políticos tradicionais. “O Showman”, de Simon Shuster, é uma biografia que dá densidade psicológica ao personagem.
Zelenski era um candidato improvável a liderar uma Ucrânia em guerra contra os russos. Sua família, judia, não só falava russo (e não ucraniano) em casa como também apoiara o candidato pró-Rússia, Viktor Yanukovich, na eleição de 2010. Profissionalmente, ele e sua trupe sempre se preocuparam em não carregar demais nas piadas, de modo a não alijar nenhum dos grupos linguísticos do país. Mais, na campanha eleitoral, Zelenski defendeu um entendimento com Putin.
O livro é bem interessante. Narra os bastidores da guerra do ponto de vista de um jornalista russo-ucraniano-americano, com algum acesso a Zelenski ao longo do conflito. Shuster corre riscos ao escrever sobre uma guerra ainda longe do fim. E ele sabe disso.
Achei particularmente interessante o papel de Zelenski como comunicador. Em condições normais, isto é, sem guerra, seu governo dificilmente se destacaria. Mas o conflito colocou o sujeito certo na posição certa. A Ucrânia precisava de alguém que representasse o papel de líder sob condições adversas e que convencesse o Ocidente a armar a resistência. Isso o ator Zelenski soube fazer.
Shuster é simpático a Zelenski, mas não a ponto de tornar-se acrítico. Ele se pergunta se o sucesso inicial da Ucrânia não subiu à cabeça do líder, que passou a interferir cada vez mais em decisões militares. Também se questiona se ele saberá abrir mão dos poderes extraordinários que a lei marcial lhe conferiu. Essa parte da história ainda não foi escrita.
helio@uol.com.br
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