“Faço uma transmissão semanal ao vivo de uma hora para ajudar centenas de afegãs a se sentirem melhor sem terem que sair de casa.”
Da Noruega, Sogra Soltani conversa com a reportagem sobre sua atividade no TikTok, dedicada a jovens mulheres encurraladas após perderem direitos no Afeganistão.
“Algumas têm cicatrizes muito profundas e eu as ajudo usando os mesmos métodos que me ajudaram a vencer minhas batalhas. Também ajudo mulheres a lidarem com o aumento da violência e das restrições”, diz Soltani.
Ela é formada em psicologia pela Universidade Metropolitana de Oslo (Noruega) e também concluiu um curso sobre “paternalidade consciente”, que incentiva pais e mães a estarem alertas e não transmitirem problemas pessoais para os filhos.
Soltani, que tem 32 anos, aborda em seus vídeos temas como ansiedade, depressão, controle da raiva, problemas de relacionamento e traumas de infância.
Ela cumprimenta suas seguidoras com um sorriso largo e fala com voz gentil e empática, buscando ajudá-las a compreender como seus pensamentos e ações afetam seu bem-estar.
Desde que o Talibã tomou o poder, em agosto de 2021, mulheres perderam o direito à educação após a escola primária e viram o seu espaço social encolher drasticamente.
O governo baniu o TikTok em abril de 2022, dizendo que o aplicativo estava “desviando” os jovens e que o conteúdo “não era consistente com as leis islâmicas”.
Mas há maneiras de contornar o bloqueio e Soltani faz questão de continuar ativa, transmitindo ao vivo de sua sala de estar enquanto o filho está dormindo ou está com seu ex-marido.
“Quero que as pessoas desafiem suas próprias suposições e crenças”, diz.
Fuga e entretenimento
O povo afegão também busca distração, uma vez que programas de entretenimento desapareceram da programação na televisão.
Música e dança também são proibidas no país.
Jovens afegãs que vivem em cidades com bom acesso à internet postam regularmente vídeos combinando música, dublagem, imitações e esquetes cômicos.
No entanto, abstêm-se de criticar os Talibãs ou de mencionar questões econômicas ou de direitos humanos.
Onka Ajaibzai tem mais de 100 mil seguidores no TikTok. Ela é de Kandahar, um reduto do Talibã, e trocou o Afeganistão pela Ásia Central um ano antes de o Talibã tomar o poder. Depois, ela se mudou para os Estados Unidos.
“Eu costumava promover debates políticos ao vivo no TikTok, mas depois de receber ameaças de morte, desisti de criticar o Talibã ou falar sobre política”, diz a estudante de jornalismo de 21 anos.
“Agora ensino o idioma pashto e conhecimentos gerais a meninas que foram proibidas de estudar pelo Talibã.”
Ela mantém a chama de sua independência viva usando vestidos ocidentais em seus vídeos, embora muitas vezes seja atacada por não usar véu (hijab).
“O TikTok deu voz a muitas meninas afegãs”, diz . “Uma voz que foi tirada delas pela ignorância do Talibã.”
Tamana Jahish trabalhou como jornalista política durante 13 anos no Afeganistão antes de se mudar para a Alemanha. Ela agora se prepara para entrar no mestrado e também é ativa no TikTok.
“Embora tenha gente que usa a plataforma para se divertir, muitos afegãos levam o app muito a sério e abandonaram seus empregos e profissões para se tornarem influenciadores do TikTok”, diz ela, acrescentando que a popularidade da plataforma cresceu nos últimos dois anos.
Proibição em tese?
Isto levou alguns especialistas a definirem a proibição Talibã um “fracasso”.
“Os Talibãs baniram o TikTok porque seus próprios homens estavam no app 24 horas por dia, 7 dias por semana. Eles viam pornografia e isso era motivo de preocupação”, diz Jamalnaser Sarwary, ex-diretor de Segurança da Informação do Ministério das Comunicações antes da tomada do poder pelos Talibãs.
“Eles não podem impor leis islâmicas às pessoas se seus próprios jovens combatentes não as cumprirem.”
Sarwary acredita que existam milhares de tiktokers no Afeganistão com mais de 500 mil seguidores cada.
Ele diz que é difícil fazer cumprir a proibição porque “muitos TikTokers usam aplicativos proxy e redes privadas virtuais” para acessar o aplicativo.
No entanto, ser um influenciador dentro do Afeganistão é um ato perigoso.
“Tento evitar lugares lotados e, quando termino, volto imediatamente para casa”, diz um influenciador no Afeganistão cuja identidade foi alterada nesta reportagem para sua segurança.
‘Shams Ahmad’ tem vinte e poucos anos e cerca de 500 mil seguidores e 10 milhões de visualizações em seu perfil.
Para suas esquetes, ele normalmente frequenta shopping centers, locais onde jovens ricos se encontram. É um mundo raramente visto na cobertura midiática do Afeganistão no ocidente.
Shams se ajustou à realidade do governo do Talibã e conseguiu ficar fora do radar para continuar postando seus vídeos.
Vozes pró-Talibã
A visão rigorosa do Talibã sobre as redes sociais não impede que seus apoiadores as usem.
Jamil Qaderi é um migrante afegão que vive na Bélgica desde 2010 e obteve o estatuto de refugiado há dois anos.
Ele usa a plataforma para glorificar o Talibã por “fornecer segurança e impor a lei Sharia”. Altos funcionários talibãs já apareceram em seus vídeos falando sobre suas “conquistas”.
Além de aplaudir os militantes, ele também critica opositores do Talibã e ridiculariza alguns grupos étnicos afegãos e mulheres ativistas.
Ele tem 60 mil seguidores e acumulou um milhão de curtidas.
Sua aparência mudou de acordo com as mudanças no país. Agora ele ostenta uma longa barba e usa o shalwar kameez, vestimenta tradicional composta por túnica e calça.
Suas opiniões geraram indignação entre muitos afegãos. Mais de 8 mil pessoas assinaram uma petição online exigindo que a Bélgica o deportasse. Em junho de 2023, o vice-ministro da Imigração da Bélgica apelou a uma revisão do status de refugiado de Qaderi.
Conectividade
Dois terços da população, ou 26 milhões de pessoas, têm menos de 25 anos no Afeganistão. Apesar da pobreza generalizada, o alcance da internet está aumentando no país.
De acordo com a DataReportal, banco de dados de referência, em janeiro de 2023, havia 7,67 milhões de ligações à Internet no Afeganistão.
As quatro principais empresas de telecomunicações do país têm 20,7 milhões de assinantes móveis, de acordo com a Autoridade Reguladora de Telecomunicações do Afeganistão.
“O Facebook é a rede social mais popular no Afeganistão, com milhões de usuários ativos. Mas o crescimento do Facebook tem sido lento nos últimos anos, enquanto o TikTok continua a acelerar”, diz Jamalnaser Sarwary, que atualmente trabalha como consultor de TI em Londres.
As mulheres continuam a buscar Soltani no TikTok, apesar de todos os riscos. “Percebi que muitas acham mais fácil se comunicar comigo online”, diz Soltani.
“Também sei por experiência própria que mães com uma infância difícil têm maior probabilidade de cometer os mesmos erros que podem traumatizar os filhos. Eu me concentro na construção de relacionamentos entre pais, mães e filhos.”
Este texto foi originalmente publicado aqui.