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Rússia ensaiou usar arma nuclear contra China, diz jornal – 28/02/2024 – Mundo

As forças de Vladimir Putin ensaiaram o uso de armas nucleares táticas em um estágio inicial de um hipotético conflito com uma potência mundial, de acordo com arquivos militares russos que vazaram e que incluem cenários de treinamento para uma invasão promovida pela China.

Os documentos confidenciais, vistos pelo Financial Times, descrevem um limiar para o uso de armas nucleares táticas menor do que a Rússia já admitiu publicamente, de acordo com especialistas que analisaram os documentos.

O material consiste em 29 arquivos militares secretos russos elaborados de 2008 a 2014, incluindo cenários para simulações de guerra e apresentações para oficiais navais, que discutem princípios operacionais para o uso de armas nucleares.

Os critérios para uma possível resposta nuclear variam de uma incursão inimiga no território russo a gatilhos mais específicos, como a destruição de 20% dos submarinos de mísseis balísticos estratégicos da Rússia.

“É a primeira vez que vemos documentos como esses serem divulgados em domínio público”, disse Alexander Gabuev, diretor do Carnegie Russia Eurasia Center em Berlim. “Eles mostram que o limiar operacional para o uso de armas nucleares é bastante baixo se o resultado desejado não puder ser alcançado por meios convencionais.”

As armas nucleares táticas da Rússia, que podem ser lançadas por mísseis terrestres ou marítimos ou por aeronaves, são projetadas para uso limitado no campo de batalha na Europa e na Ásia, em oposição às armas “estratégicas” maiores, que são destinadas a atingir os EUA.

As ogivas táticas modernas ainda podem liberar muito mais energia do que as armas lançadas em Nagasaki e Hiroshima em 1945.

Embora os arquivos tenham dez anos ou mais, os especialistas afirmam que eles continuam relevantes para a doutrina militar russa atual. Os documentos foram mostrados ao FT por fontes ocidentais.

Os planos defensivos mostram que a elite de segurança de Moscou nutre suspeitas profundas em relação à China, mesmo quando Putin começou a forjar uma aliança com Pequim, que já em 2001 incluía um acordo nuclear de não atacar primeiro.

Nos anos seguintes, a Rússia e a China aprofundaram sua parceria, especialmente desde que Xi Jinping assumiu o poder, em 2012. A guerra na Ucrânia consolidou o status da Rússia como parceira com a China, que ofereceu a Moscou uma ajuda financeira vital para lidar com as sanções ocidentais.

No entanto, mesmo com a aproximação entre os países, os materiais de treinamento mostram que o distrito militar oriental da Rússia estava ensaiando vários cenários que descreviam uma invasão chinesa.

Os exercícios oferecem uma rara visão de como a Rússia encara seu arsenal nuclear como uma pedra angular de sua política de defesa —e como ela treina forças para poder realizar um primeiro ataque nuclear em algumas condições de campo de batalha.

Um exercício que descreve um ataque hipotético da China observa que a Rússia, chamada de “Federação do Norte” na simulação de guerra, poderia responder com um ataque nuclear tático para impedir que “o Sul” avançasse com uma segunda onda de forças invasoras.

“A ordem foi dada pelo comandante-chefe… para usar armas nucleares. A ordem foi dada pelo comandante-chefe … para usar armas nucleares … no caso de o inimigo implantar unidades de segundo escalão e o Sul ameaçar atacar ainda mais na direção do ataque principal”, diz o documento.

O Ministério das Relações Exteriores da China negou que houvesse qualquer motivo para suspeitar de Moscou. “O Tratado de Boa Vizinhança, Amizade e Cooperação entre a China e a Rússia estabeleceu legalmente o conceito de amizade eterna e não inimizade entre os dois países”, disse um porta-voz. “A ‘teoria da ameaça’ não tem mercado na China e na Rússia.”

O porta-voz do Kremlin disse nesta quarta-feira (28): “O principal é que o limite para o uso de armas nucleares é absolutamente transparente e está explicitado na doutrina. Quanto aos documentos mencionados, duvidamos muito de sua autenticidade”.

Uma apresentação de treinamento separada para oficiais da Marinha, não relacionada a simulações de guerra com a China, descreve critérios mais amplos para um possível ataque nuclear, incluindo um desembarque inimigo em território russo, a derrota de unidades responsáveis pela segurança das áreas de fronteira ou um ataque inimigo iminente usando armas convencionais.

Outras condições possíveis incluem a destruição de 20% dos submarinos estratégicos de mísseis balísticos da Rússia, 30% de seus submarinos de ataque com propulsão nuclear, três ou mais cruzadores, três campos de aviação ou um ataque simultâneo aos centros de comando costeiro principal e de reserva.

Putin disse em junho passado que não vê com bons olhos o uso de ataques nucleares táticos, mas depois se gabou de que a Rússia tinha um arsenal não estratégico maior do que o dos países da Otan. “Eles que se danem, como as pessoas dizem”, disse Putin. Os EUA estimam que a Rússia tenha pelo menos 2.000 dessas armas.

O presidente russo disse no ano passado que a doutrina nuclear de Moscou permitia dois limites possíveis para o uso de armas nucleares: retaliação contra o primeiro ataque nuclear de um inimigo e se “a própria existência da Rússia como Estado estiver ameaçada, mesmo que sejam usadas armas convencionais”.

As autoridades ucranianas argumentaram que as ameaças nucleares de Putin convenceram os EUA e outros aliados a não armar Kiev de forma mais decisiva no início do conflito, quando o armamento avançado da Otan poderia ter virado a maré a favor da Ucrânia.

William Alberque, diretor de estratégia, tecnologia e armas do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês), disse que a Rússia provavelmente teria um limite mais alto para usar armas nucleares táticas contra a Ucrânia, que não tem sua própria capacidade nuclear ou a capacidade de lançar uma invasão terrestre na mesma escala, do que contra a China ou os EUA.

Os líderes russos acreditam que, enquanto um ataque nuclear contra a China ou os EUA poderia ser “sóbrio”, fazer o mesmo contra a Ucrânia provavelmente aumentaria o conflito e levaria a uma intervenção direta dos EUA ou do Reino Unido, disse Alberque. “Essa é absolutamente a última coisa que Putin quer”.

Fonte: Folha de São Paulo

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