Em busca de uma vida melhor nos Estados Unidos, o migrante Nohe Vargas passou os últimos dois meses se esquivando da polícia enquanto percorria um lento caminho para o norte, de ônibus e motocicleta, saindo de sua casa na Nicarágua.
Refugiando-se em um acampamento de migrantes na Cidade do México, o cozinheiro de 32 anos agora está com pressa para atravessar a fronteira entre os EUA e o México.
Se acreditarmos na Internet e nos boatos espalhados por contrabandistas, o tempo está se esgotando para ele e para centenas de milhares de outros migrantes que buscam o sonho americano.
As postagens nas mídias sociais provocam temores de que uma nova e mais rígida política de imigração dos EUA possa estar sendo planejada, com a eleição presidencial de novembro apenas injetando uma urgência extra.
Portanto, agora Vargas está desesperado para encontrar um contrabandista que possa levá-lo à fronteira sem demora e evitar qualquer repressão.
“Ouvi dizer que Trump vencerá novamente e começará a deportar pessoas. A coisa vai ficar feia”, disse Vargas no acampamento lotado que centenas de pessoas, principalmente da América Central e do Sul, chamam de lar enquanto se preparam para cruzar ilegalmente a fronteira ou pedir asilo.
Centenas de milhares de migrantes que pretendem chegar aos Estados Unidos estão tomando decisões cruciais com base em ofertas de contrabandistas e em fragmentos de informações – muitas vezes desinformações – publicadas nas mídias sociais.
A maioria dos trechos vem de contas do Facebook e do WhatsApp que não pertencem a grupos de ajuda humanitária ou a fontes oficiais do governo e vendem meias verdades, na melhor das hipóteses, ou contos que parecem verdadeiros.
Para os migrantes, ter acesso a informações confiáveis e precisas tornou-se tão importante quanto abrigo e água, mas a desinformação on-line vendida por contrabandistas e grupos do crime organizado dificulta a distinção entre fato e ficção.
O Facebook, a plataforma mais usada pelos migrantes, diz que proíbe o conteúdo de contrabando de pessoas, mas os especialistas em tecnologia veem poucas evidências de que as contas falsas sejam retiradas do ar.
“Proibimos conteúdo ou serviços de contrabando de pessoas em nossas plataformas e removemos esse tipo de conteúdo quando o encontramos”, disse um porta-voz da Meta, dona do Facebook.
De acordo com Katie Paul, diretora do grupo de defesa Tech Transparency Project, o Facebook é a “maior fonte de desinformação” – em parte porque tem o maior alcance regional de todas as plataformas de mídia social.
“O que o torna um boom para os traficantes de seres humanos, para os golpistas, é que você tem uma plataforma completamente desregulamentada com um enorme estoque de pessoas muito desesperadas e vulneráveis que estão dispostas a fazer e aceitar qualquer coisa para sair de suas situações”, disse Paul, que faz campanha para responsabilizar as grandes empresas de tecnologia.
É provável que a desinformação on-line piore nos próximos meses, à medida que a eleição presidencial dos EUA se aproxima, influenciando as decisões tomadas pelos migrantes que fogem de uma mistura complexa de pobreza, violência de gangues, desemprego e mudanças climáticas.
A eleição e seu resultado afetam as mensagens que os contrabandistas, conhecidos localmente como coiotes, divulgam nas mídias sociais – e influenciam o quanto eles podem cobrar pela viagem ao norte.
Quando Joe Biden assumiu o cargo em 2021, os contrabandistas promoveram uma falsa percepção de que, sob seu governo, seria mais fácil cruzar a fronteira e permanecer nos Estados Unidos.
Travessias mais difíceis e fechamentos de fronteiras também aumentam as tarifas, com evidências sugerindo que os migrantes precisam pagar aos contrabandistas um extra de 10% a 20% quando as viagens são mais arriscadas ou mais tortuosas, portanto, mais demoradas.
Entre janeiro e fevereiro de 2021, houve um aumento de 29% no número de migrantes encontrados pelas autoridades de fronteira dos EUA, de acordo com dados oficiais dos EUA.
“Muita da retórica dos republicanos afirmando que havia fronteiras abertas, o que era falso, seria então repetida pelos coiotes como se fosse um fato vindo de um político”, disse Paul.
Essa narrativa contribuiu para picos nos fluxos migratórios, com as chegadas de migrantes à fronteira dos EUA atingindo níveis recordes durante o governo Biden.
Com a probabilidade de Trump estar nas urnas em novembro, os contrabandistas estão dizendo aos migrantes para irem embora agora, afirmando que o retorno do republicano poderia significar restrições mais rígidas na fronteira e aumento das detenções, com Trump prometendo deportações em massa se vencer.
“Os contrabandistas dirão e usarão qualquer coisa que puderem apenas para gerar mais receita”, disse Rafael Velasquez, diretor nacional do México do grupo de ajuda International Rescue Committee.
Os picos nos fluxos migratórios podem ser desencadeados por informações falsas publicadas online por contrabandistas ou pelo boca a boca que se espalha por vários grupos de migrantes do WhatsApp.
As mensagens do WhatsApp dizem: “A fronteira está se fechando, corra para ela agora”, disse Velasquez.
O fazendeiro guatemalteco Carlos Aguilar, que espera conseguir dinheiro suficiente para pagar a um contrabandista cerca de 120.000 quetzels (R$ 76 mil) para levá-lo ao norte, diz querer chegar à fronteira antes das eleições.
“Irei quando o coiote disser que é hora de ir, mas ouvi dizer que terei mais chances se for agora”, disse Aguilar, que espera se juntar aos parentes que já vivem nos Estados Unidos.
Em meio a um novo senso de urgência para chegar à fronteira, combinado com a mudança frequente das regras sobre migração e travessias de fronteira, contrabandistas, traficantes de pessoas e grupos do crime organizado exploram a confusão para espalhar desinformação, disse Velasquez. “Se um coiote diz algo e eles estão no caminho rumo aos EUA, não vão checar informações.”
Alguns contrabandistas oferecem rotas mais rápidas e mais caras publicadas no Facebook sob o disfarce de falsas agências de viagem, enquanto outros promovem seus serviços postando vídeos que mostram migrantes que chegaram aos Estados Unidos sem grandes problemas.
Os haitianos e outros migrantes que não falam espanhol têm ainda mais dificuldade para acessar informações confiáveis, já os afegãos são considerados “presas fáceis” para os grupos do crime organizado do México, disse Velasquez.
Os migrantes que buscam asilo precisam primeiro agendar uma consulta gratuita em um ponto de entrada ao longo da fronteira entre os EUA e o México usando um aplicativo móvel oficial do governo emericano conhecido como aplicativo CBP One. No entanto, é comum ver desinformação e golpes no Facebook envolvendo essa plataforma.
“Há vários anúncios que são golpes ou esforços nefastos que fazem referência ao aplicativo CBP One e oferecem assistência com ele”, disse Paul.
Publicações no Facebook prometem falsamente aos migrantes que sua entrevista com o CBP será “aprovada em três dias” em troca de dinheiro, enquanto outras contas vendem dicas para marcar uma entrevista mais cedo.
A nicaraguense Marina Perez, 38 anos, passou as duas últimas semanas dormindo em uma barraca apertada no acampamento de migrantes na Cidade do México tentando conseguir uma entrevista pelo aplicativo CBP One.
Conectada ao sinal wi-fi público da cidade, Perez se depara com inúmeros vídeos que promovem golpes, sinalizados a ela por outros migrantes no acampamento.
“Conseguir uma consulta é como ganhar na loteria, tudo se resume à sorte. É por isso que as pessoas não devem confiar nesses golpes”, disse Perez, que está fugindo da violência policial em seu país para se juntar ao seu irmão nos Estados Unidos.
Uma pesquisa do Tech Transparency Project, um grupo de defesa, afirma que o Facebook não conseguiu impedir a disseminação de publicações enganosas e potencialmente perigosas que têm como alvo migrantes vulneráveis.
“Estamos falando de uma escala industrial de predação que é facilitada por essa plataforma, que é negligente em lidar com esses danos”, disse Paul.
A venezuelana Leidy Rojas, que fugiu de uma crise humanitária e levou seus três filhos para a Colômbia há seis anos, também planeja viajar para os Estados Unidos antes das eleições.
Sua jornada significa cruzar o Darien Gap – um trecho traiçoeiro de floresta tropical que atravessa a Colômbia e o Panamá – um risco que Rojas diz valer a pena correr para construir uma vida melhor para seus filhos.
“Não sei se Trump será o próximo presidente e o que ele fará, mas quero chegar lá antes que fique mais difícil atravessar”, disse ela. “Tenho família morando nos EUA e eles dizem que os coiotes estão dizendo às pessoas para irem embora agora.”