Dissociação, estresse pós-traumático, ansiedade, problemas de sono, memória e concentração. Dano cerebral e dores crônicas. Esses são alguns dos sintomas observados pelo Dr. Stephen Xenakis em detentos de Guantánamo.
O médico psiquiatra, um general da reserva do Exército americano, atua como expert nas comissões militares, onde tramitam os processos contra acusados de terrorismo. Nos últimos anos, ele foi responsável pela avaliação de diversos homens subjugados a tortura e isolamento pelos EUA.
“Você não pode sair fazendo perguntas sobre o que aconteceu com eles, porque isso os relembra de como foram interrogados“, me explica sobre o processo. Em vez disso, sua estratégia é conversar sobre a vida pré-Guantánamo desses homens –o que o levou a entender melhor seus mundos.
“Até então, eu realmente não entendia como eles eram, como a família e seus costumes quase tribais estão impregnados em suas vidas. Eu não entendia como lidavam com a intimidade, com a sexualidade, sendo jovens homens”, reflete. “Eu também não compreendia completamente como a situação dos palestinos afeta os sunitas. Isso é extremamente importante.”
Para Xenakis, alguns se radicalizaram porque eram jovens confusos que buscavam um sentido de vida no final da adolescência e começo dos 20 anos. Outros porque viam nos EUA os apoiadores ou responsáveis diretos pela opressão e brutalização de suas tribos e famílias. Um terceiro grupo encontrou na jihad um compromisso e uma missão, elenca.
Em todos esses casos, o tratamento que receberam sob custódia da CIA serviu para confirmar a visão negativa dos americanos como “o mal”, segundo o psiquiatra.
Em Guantánamo, há tratamentos psicológicos e psiquiátricos disponíveis, mas, tanto para Xenakis quanto para as Nações Unidas, as ferramentas são insuficientes para reabilitar sobreviventes de tortura, especialmente porque providas em um ambiente associado à violência.
Um problema básico é que, nesses casos, os pacientes precisam se sentir no controle –em oposição ao que vivenciam quando são vítimas de violência– e em casa. Ambas as condições estão ausentes em Guantánamo.
O militar da reserva aponta que as orações diárias são um dos principais apoios comunitários entre eles. Outra forma de manter a sanidade é a arte. Há alguns anos, uma exposição de artigos elaborados pelos detentos, como miniaturas de navios e pinturas, foi realizada nos EUA. A repercussão levou Guantánamo a proibir a divulgação ao público desses trabalhos.
Um advogado de um detento liberado para transferência afirma à Folha, sob condição de anonimato, que se impressiona com a capacidade de seu cliente se manter são após todos esses anos. Uma vez, o homem compartilhou a estratégia com ele: se manter ocupado com a arte e a religião, não se deixar pensar muito.
Aos problemas psicológicos se somam os físicos, muitos decorrentes do envelhecimento dos detentos, alguns presos há mais de 20 anos. Como não podem sair da base, todo equipamento de exame ou remédio precisa ser levado até Guantánamo, o que, segundo advogados, nem sempre acontece.