Recém-empossada como diretora-executiva do Instituto Brasil-Israel (IBI), Manoela Miklos critica o uso de bandeiras e símbolos do país israelense durante a manifestação realizada por Jair Bolsonaro (PL) no domingo (25), diz que a fala do presidente Lula (PT) que deflagrou uma crise diplomática com o governo de Binyamin Netanyahu é “página virada” e reitera a defesa da entidade pela solução de dois Estados.
“A extrema direita truculenta vai para as ruas carregando bandeiras, mas sem ter compromisso com a busca por uma paz duradoura na região, com os mortos, os desaparecidos e os reféns, com a complexidade de um processo de paz“, diz Miklos à coluna, ao falar sobre o ato bolsonarista.
As bandeiras de Israel foram onipresentes durante a manifestação na avenida Paulista, em São Paulo, no fim de semana. No trio elétrico que teve Bolsonaro como protagonista, o país do Oriente Médio foi lembrado em discursos e também em oração feita pela ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Até mesmo bandeiras com estrelas de cinco pontas, que formavam um pentagrama em vez da tradicional estrela de Davi, chegaram a ser comercializadas. O vídeo de um grupo de senhoras que afirmam estarem vestindo a bandeira de Israel por serem cristãs viralizou nas redes, como mostrou o blog Hashtag.
Miklos afirma que o uso da imagem de Israel pela extrema direita vem de um longo processo histórico e “é maior que o próprio Brasil”, podendo ser visto também em outros países. Para ela, a instrumentalização seria pautada por um país “imaginado” pelo segmento e que buscaria atender a interesses políticos.
“Carregam a bandeira de Israel apenas pensando em si mesmo e nos seus próximos passos, enquanto tem gente sofrendo muito lá e precisando de pessoas que de fato as acolham e ajudem,” afirma ela, que defende o fim da guerra e a criação de um Estado palestino ao lado de um Estado de Israel.
Com passagem por organizações e entidades como Instituto Pólis, o Instituto Alana e a Conectas Direitos Humanos, Miklos é mestre e doutora em relações internacionais e direitos humanos e já deu aulas na PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo.
“Eu sou cria do movimento de mulheres, tenho um compromisso inabalável com a democracia e com os direitos humanos e vejo o IBI como um agente de mudança capaz de contribuir em todas essas frentes”, afirma ela.
Miklos assumiu a diretoria-executiva do IBI na semana passada, dias após Lula afirmar que as ações militares israelenses na Faixa de Gaza configuram um genocídio e fazer um paralelo com o extermínio de judeus promovido por Adolf Hitler durante o Holocausto.
A fala deu pretexto para o governo de Netanyahu fazer críticas e ataques contra o brasileiro e declará-lo “persona non grata”. No Brasil, diversas entidades criticaram o presidente pela declaração —inclusive o IBI, que fez uma série de manifestações e classificou a posição como “negacionista” e “um erro grosseiro”.
Na sexta-feira (23), Lula voltou a dizer que o governo de Israel está cometendo um genocídio contra o povo palestino na Faixa de Gaza e disse que a fala da semana anterior foi mal interpretada, evitando citar a comparação diretamente. A nova declaração foi recebida com bons olhos pelo Instituto Brasil-Israel.
“Fizemos, enquanto IBI, todas as nossas críticas possíveis durante a semana e vemos [a nova fala de Lula] menos como uma fase nova do conflito e mais como água na fervura, uma oportunidade para falar sobre o que, para nós, é consenso”, afirma a diretora-executiva da entidade.
“É uma página virada”, diz Miklos. “Quero crer que a gente está superando essa crise diplomática com possibilidades e oportunidades. O IBI quer uma solução de dois Estados. Isso é uma coisa difícil de se fazer, e Lula se compromete com essa pauta.”
À frente do IBI, Miklos diz querer dar continuidade aos esforços do instituto em busca de diálogos pela paz entre israelenses e palestinos, além do combate ao antissemitismo no Brasil.
Ela afirma que a própria entidade traz, internamente, diferentes posições sobre o conflito e a crise histórica na região, mas diz que divergências são sempre bem-vindas.
“A cada passo público, a gente tem muitas conversas, e naturalmente algumas contemplam mais um grupo do que outros. O importante que é sempre um debate feito sempre com muito respeito. Estranho é uma organização que trabalha com um tema tão sensível e, da porta para dentro, não se faz um milhão de perguntas”, afirma.
“Toda organização comprometida com os direitos humanos e com a democracia convive com dissensos e consensos. Divergências existem e são bem-vindas. São elas que nos permitem aprofundar o debate sobre o que se passa no Brasil e em Israel e seguir relevante.”
com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH
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