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EUA deveriam focar mais Taiwan do que a Ucrânia – 26/02/2024 – Ross Douthat

O senador republicano J.D. Vance, de Ohio, foi à Conferência de Segurança de Munique para desempenhar um papel impopular: ser um porta-voz da crítica populista ao apoio americano dado ao esforço de guerra da Ucrânia.

Se você fosse escolher uma expressão-chave dos comentários de Vance, seria “mundo de escassez”, que ele usou cinco vezes para descrever a situação estratégica americana: sobrecarregada por compromissos globais, incapaz de apoiar a Ucrânia enquanto mantém a posição no Oriente Médio e se prepara para uma guerra no Leste Asiático e, portanto, forçada a administrar recurrsos e esperar que aliados na Europa enfrentem os armamentos e ambições da Rússia.

O argumento apresentado por Vance em Munique é mais consistente, e suas premissas —não isolacionistas, voltado para a Ásia, e mais preocupado com Taiwan do que com o Donbass— têm servido de base para os críticos republicanos da política americana relação à Ucrânia desde o início da guerra. Mas consistência não é o mesmo que correção, e vale a pena analisar por um momento por que esse tipo de argumento deixa os apoiadores da Ucrânia tão frustrados.

Em parte, há uma suspeita de que algumas pessoas que defendem priorizar a Ásia não acreditam plenamente nisso, que é apenas uma maneira mais respeitável de se esquivar das obrigações americanas e que, se a base conservadora ou Donald Trump decidissem que não valia a pena lutar por Taiwan, muitos republicanos que são críticos em relação à China encontrariam alguma desculpa para justificar a inação.

Mas presumindo boa fé —e independentemente dos cálculos dos políticos republicanos, muitos críticos à China são totalmente sinceros—, há também o problema de que esse argumento privilegia a agressão hipotética sobre a agressão real, uma guerra potencial sobre uma guerra atual. Não podemos fazer tudo para deter Vladimir Putin hoje por causa do que Pequim poderia eventualmente fazer amanhã é a alegação fundamental, e dá para entender por que as pessoas se incomodam com isso.

De fato, apesar de concordar com a avaliação geral de priorizar a Ásia, eu também me incomodo com isso o suficiente para pensar que a administração de Joe Biden tomou a decisão certa ao apoiar inicialmente a Ucrânia e que um corte brusco na ajuda seria um erro, mesmo que devêssemos estar buscando um armistício.

Mas a ponderação entre contingências e realidade é sempre parte do que os estadistas têm que fazer. E a ponderação que prioriza Taiwan sobre a Ucrânia, o perigo no Leste Asiático sobre a guerra real na Europa, depende de duas presunções que valem a pena ser explicitadas e discutidas.

A primeira é que a China está falando sério não apenas sobre a tomada de Taiwan, mas também sobre fazê-la em breve. Se você acha que o acúmulo militar e a belicosidade da China estão sinalizando uma possível anexação em um futuro distante, então não há um compromisso imediato entre a Europa e o Pacífico. Em vez disso, nesse caso, torna-se sensato pensar que derrotar Putin na década de 2020 dará a Pequim uma pausa na década de 2030 e que o compromisso de longo prazo com a produção militar necessária para armar a Ucrânia para a vitória também ajudará a deter a China daqui a dez anos.

Mas suponhamos que o perigo esteja muito mais próximo, que a consciência de Pequim sobre seus desafios de longo prazo a torne mais propensa a apostar, enquanto os Estados Unidos estão presos a outras crises, divididos internamente e potencialmente caminhando para quatro anos de capacidade presidencial limitada sob o comando do candidato de qualquer um dos partidos.

Nesse caso, os possíveis pontos fortes dos EUA em dez anos são irrelevantes. O fato de estarmos atualmente construindo mísseis antitanque e antiaéreos apenas para gastá-los —acrescentando mais de US$ 7 em novos gastos com a Ucrânia para cada US$ 1 em gastos relacionados aos aliados asiáticos e australianos— e amarrando a atenção militar e diplomática a uma guerra de trincheiras no Leste Europeu significa que estamos basicamente convidando os chineses a agir, e logo.

Isso, por sua vez, nos leva à segunda presunção: se Taiwan caísse nas mãos de seu vizinho imperial, o mundo mudaria para pior em uma escala maior do que a Ucrânia ceder território ou até mesmo enfrentar uma derrota total.

Se você vê os dois países como essencialmente equivalentes, ambos clientes americanos mas não aliados formais no estilo da Otan, ambas democracias vulneráveis a vizinhos autoritários de grande poder, então há um argumento mais forte para fazer tudo pela Ucrânia quando ela estiver imediatamente ameaçada, independentemente das consequências para Taiwan.

Mas eles não são equivalentes. O compromisso americano com Taiwan remonta a quase 70 anos, e apesar de termos cultivado ambiguidade desde a era Nixon, a ilha ainda é entendida como estando sob o guarda-chuva americano de uma forma que nunca foi verdadeira para a Ucrânia. Taiwan também é uma democracia madura de uma forma que a Ucrânia não é, o que significa que sua conquista representaria uma forma muito mais clara de retrocesso para o mundo democrático liberal. E a indústria de semicondutores de Taiwan a torna um prêmio econômico muito maior do que a Ucrânia, mais propenso a lançar o mundo em uma recessão se a indústria for destruída em uma guerra ou conceder a Pequim um novo poder se for simplesmente absorvida na infraestrutura industrial da China.

Tão importante quanto, a China não é equivalente à Rússia. Esta última é uma ameaça, mas que, como Vance argumenta, teoricamente deveria ser contida e dissuadida, mesmo sem o envolvimento americano, por uma Europa cujo PIB absolutamente supera o da Rússia.

Por outro lado, a riqueza e o potencial de hard power [capacidade de um Estado convencer o outro a fazer algo a partir da demonstração de força] da China superam todos os seus vizinhos asiáticos, e a conquista de Taiwan permitiria o avanço de sua força naval, uma projeção muito mais ampla de influência autoritária e uma reformulação das relações econômicas na Ásia e no mundo.

Para um argumento detalhado sobre esses tipos de consequências, recomendo “The Taiwan Catastrophe”, de Andrew S. Erickson, Gabriel B. Collins e Matt Pottinger na revista Foreign Affairs. Você não precisa concordar com cada parte da análise deles para entender os possíveis riscos. Se uma vitória russa na Ucrânia alimentaria as ambições autoritárias, uma vitória chinesa as sobrecarregaria. Se a derrota da Ucrânia prejudicaria os interesses americanos, a queda de Taiwan os devastaria.

Isso torna a primeira presunção a decisiva. Se você está buscando a vitória total na Ucrânia, inscrevendo-se para anos de luta em que Taiwan será uma prioridade secundária, sua escolha basicamente exige apostar que as intenções agressivas da China serão um problema para muito mais tarde —a ameaça de amanhã, não a de hoje.

Ao contrário dos defensores da Ucrânia, eu não faria essa aposta. Eu simplesmente não abandonaria os ucranianos. Existe um caminho plausível entre essas opções, no qual a ajuda continua fluindo enquanto os EUA buscam um acordo e uma mudança de foco. Mas muito depende da possibilidade de se atravessar esse caminho estreito: não apenas para a Ucrânia ou para Taiwan, mas também para o império americano como o conhecemos, o poder que domina o mundo e que consideramos garantido por muito tempo.


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Fonte: Folha de São Paulo

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