O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, encerrou nesta quinta-feira (22) a primeira reunião de chanceleres do G20 sob presidência do Brasil com a Rússia tentando esvaziar o poder político do grupo para dirimir as tensões globais.
Vieira fez um breve relato sobre as discussões travadas entre quarta (21) e quinta-feira (22) na Marina da Glória, no Rio de Janeiro; os jornalistas presentes não puderam fazer perguntas. Segundo o chanceler, os países-membros e convidados “externaram suas posições sobre o papel do G20 em relação às tensões em curso”.
A fala do brasileiro expôs a falta de consenso até sobre o papel do grupo de debater as guerras em curso, em especial na Faixa de Gaza e na Ucrânia —este último completa dois anos no próximo sábado (24).
Essa posição foi externalizada pelo chanceler da Rússia, Serguei Lavrov. “Não creio que no G20 encontraremos soluções para os desafios e ameaças à segurança global”, afirmou, segundo o discurso divulgado por Moscou. Antes do encontro, Lavrov já havia criticado o que chamou de “politização do G20” por abordar a Guerra da Ucrânia.
“A delegação russa pretende chamar atenção dos parceiros para a inaceitável politização do G20, que está planejado para se concentrar estritamente nos desafios socioeconômicos. A inclusão de questões não essenciais, incluindo a questão ucraniana, na agenda do G20 por instigação do Ocidente é destrutiva”, afirmou o chefe da diplomacia de Vladimir Putin.
Por sua vez, o ministro das Relações Exteriores da França, Stéphane Séjourné, fez duras críticas à Rússia durante seu discurso nesta quinta. O francês afirmou que o grupo precisa evitar a desunião, apesar de “certos membros estarem agindo contra o G20” —uma referência pouco velada a Moscou.
Na abertura do encontro, Vieira havia buscado elevar o G20 como um espaço mais livre para o debate entre as lideranças mundiais sobre as tensões globais. “Esse grupo é, possivelmente, o fórum mais importante onde países com visões opostas ainda conseguem sentar à mesa e ter conversas produtivas sem necessariamente carregar o peso de posições arraigadas e rígidas que têm impedido avanços em outros foros, como o Conselho de Segurança das Nações Unidas”, afirmou ele na quarta-feira.
Como em outros encontros multilaterais, Lavrov foi o principal alvo de críticas presenciais durante os debates. De acordo com Vieira, “vários países reiteraram a condenação à Guerra da Ucrânia, como tem acontecido desde 2022”. Não houve nenhuma outra menção ao conflito no Leste Europeu no discurso do chanceler brasileiro.
O relato do ministro se concentrou nos debates em relação à guerra Israel-Hamas. Como esperado, Vieira não fez nenhum comentário sobre a crise diplomática entre Brasília e Tel Aviv, cujo gatilho foi a fala do presidente Lula comparando a ofensiva israelense em Gaza ao Holocausto nazista;
O chanceler citou, porém, a preocupação de vários membros do G20 com a possibilidade de alastramento do conflito para países vizinhos. Também relatou manifestações pela libertação de reféns em poder do grupo terrorista e críticas ao deslocamento forçado de palestinos para o sul da Faixa de Gaza —Tel Aviv planeja uma nova operação na cidade de Rafah, na fronteira com o Egito, onde está abrigada a maior parte dos deslocados internos do conflito, o que pode aumentar o número de civis mortos.
Segundo Vieira, há uma “virtual unanimidade” no G20 em favor da solução de dois Estados como caminho para a paz entre israelenses e palestinos.
O ministro também disse que houve concordância em relação às prioridades estabelecidas pelo Brasil durante a presidência temporária do grupo: combate à fome, desenvolvimento sustentável e reforma da governança global. Em relação ao último tema, Vieira disse que todos concordaram que as instituições multilaterais “precisam de reforma para se adaptarem aos desafios do mundo atual”. Ele disse também ter havido consenso quanto à necessidade de reforma da ONU, principalmente do Conselho de Segurança. O desafio, porém, é a diferença entre as propostas.
Ao final do encontro, diplomatas que participaram das conversas e que foram ouvidos pela Folha apontam que o encontro desta semana serviu mais como um pontapé inicial para debater as reformas dos organismos internacionais do que algo que trará já um resultado concreto a curto prazo.
O G20 é o grupo que reúne as 19 maiores economias do mundo, além da União Europeia e da União Africana. A reunião dos chanceleres foi a primeira ministerial sob a presidência do Brasil, que termina em novembro deste ano. O governo brasileiro também usa o fórum para instar que países do chamado Sul Global se fortaleçam.