A eclosão de protestos de agricultores em vários países da União Europeia tem posto em xeque o avanço nas políticas de proteção ambiental e de transição energética do bloco europeu.
Embora as reivindicações do setor agropecuário tenham diferenças importantes entre entre os vários Estados-membros, há uma queixa em comum: o aumento das exigências ambientais estaria estrangulando o setor e ameaçando a viabilidade das lavouras no velho continente.
Em meio às manifestações, que começaram na França, mas se espalharam desde Portugal até à Polônia, a Comissão Europeia, o braço executivo da UE, tem feito uma série de concessões.
Nas últimas semanas, a comissão já abandonou um plano de redução do uso de pesticidas, concedeu isenção temporária para as exigências de “descanso” de parte do solo entre as culturas e retirou o projeto de redução de 30% de emissões de gases-estufa –em relação aos níveis de 2015– do setor da agricultura, entre outras medidas.
Entre os ambientalistas, há o temor de que a situação na União Europeia, que nos últimos anos vem tendo um papel de liderança nas negociações climáticas, possa acabar tendo reflexos negativos em outros pontos do globo.
“Essas mudanças na Europa fortalecem a argumentação antiambiental que já existe em outros locais”, avalia Paulo Barreto, pesquisador do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).
Segundo ele, as condições da agricultura europeia já vinham sendo usadas como justificativa, entre alguns setores do agro brasileiro, na defesa de menos exigências ambientais para os produtores do Brasil.
“No Brasil, há vários anos já existe essa conversa, principalmente em termos florestais, de que os europeus exigiam dos brasileiros muito mais do que eles próprios faziam, como a questão de reserva legal”, afirmou. Uma situação que, na avaliação do pesquisador, poderia se intensificar.
O cientista relembra que, tanto na Europa quanto no Brasil, a proteção da floresta e do ambiente traz benefícios para os próprios produtores. “A floresta é um seguro contra extremos climáticos que prejudicam o agro, a geração de energia e muito mais.”
Ainda que a agricultura seja responsável por apenas 1,4% do PIB (Produto Interno Bruto) da UE, o setor segue com grande capital político e social. Além das medidas comuns europeias, os Estados-membros também têm apresentado pacotes domésticos de benesses para tentar arrefecer os ânimos do campo.
Com os abalos nas cadeias globais de produção e de abastecimento causados pela pandemia da Covid-19 e, mais recentemente, pela guerra entre Rússia e Ucrânia, a defesa da produção de bens alimentares essenciais dentro das fronteiras da União Europeia se intensificou em todo o bloco.
Não por acaso, a agricultura e as políticas ambientais da União Europeia devem estar entre os temas centrais da campanha das eleições para o Parlamento Europeu, em junho.
Discursos contrários às principais medidas de redução de emissões de gases-estufa do bloco já são comuns ao repertório das siglas de ultradireita, mas não são exclusividade dos partidos mais radicais.
Nos últimos meses, o PPE (Partido Popular Europeu) –agrupamento de partidos conservadores e democratas-cristãos que tem 178 dos 705 assentos do Parlamento Europeu– intensificou a ofensiva contra parte dos textos ambientais.
Graças à mobilização do grupo, em novembro, os eurodeputados reprovaram a proposta de redução de agrotóxicos que integrava o chamado Acordo Verde da UE. Agora, o PPE tem feito uma série de declarações em favor das reivindicações dos manifestantes.
O partido também pode estar comprometido em reverter a decisão, já aprovada pelos eurodeputados, de acabar com a produção de veículos a combustão na União Europeia até 2035. De acordo com reportagem do jornal Politico, a versão preliminar do manifesto do Partido Popular Europeu para as eleições de junho defende reabrir essas discussões.
Pesquisas de intenção de voto indicam tendência de crescimento para partidos de ultradireita no próximo pleito continental. Por outro lado, as projeções mostram uma queda acentuada das legendas que compõem Os Verdes –o agrupamento ambientalista do Parlamento.
Embalados pela popularidade de movimentos como o da jovem a sueca Greta Thunberg, os Verdes tiveram seu melhor resultado nas eleições de 2019. As projeções para junho, contudo, indicam que o grupo pode ser reduzido a um terço das dimensões atuais.
Diante dessa conjuntura, para muitos analistas, a nova legislatura do Parlamento Europeu –que tem mandatos de cinco anos– deve ser menos sensível à agenda ambiental.
Caberá aos próximos eurodeputados aprovar alguns temas críticos para as ambições climáticas europeias, como a revisão dos compromissos voluntários de emissões. A União Europeia já se comprometeu a alcançar a neutralidade carbônica até 2050, mas ainda é preciso definir uma série de medidas para atingir esse objetivo.
Um relatório publicado em janeiro pelo Conselho Científico Consultivo para as Alterações Climáticas, órgão criado pela própria Lei do Clima da UE, recomendou aos Estados-membros a adoção de uma meta de redução de 90% das emissões de gases-estufa, em comparação aos níveis de 1990, até 2040.
“A UE fez grandes progressos para fortalecer seu quadro de política climática nos últimos anos, mas alcançar a neutralidade climática até 2050 é uma corrida contra o relógio, e nós não podemos nos dar ao luxo de recuar agora”, disse o presidente do conselho de cientistas, Ottmar Edenhofer.
“Para permanecermos no caminho certo, precisamos garantir que as ações atuais estão em conformidade com os nossos objetivos de longo prazo e que começamos a nos preparar para reduções ainda mais profundas após 2030”, completou.
Embora a orientação formal do comitê tenha sido pela redução expressiva, a decisão final depende de leis que só serão apresentadas e votadas na próxima legislatura do Parlamento Europeu.
A agricultura representa atualmente cerca de 11% das emissões do União Europeia. Ainda que o setor tenha sido poupado das grandes exigências de corte até agora, é improvável que o bloco europeu atinja as metas de redução sem implementar mudanças no campo.