Os hospitais de Gaza emergiram como um foco na guerra Israel-Hamas —cada lado acusa o outro de envolver instalações médicas no conflito como prova do desprezo do inimigo pela segurança dos civis.
Em quatro meses de guerra, as tropas israelenses entraram em vários hospitais —incluindo o hospital Qatari, o Kamal Adwan e o Al-Rantisi, especializado em crianças—, em busca de armas e combatentes.
Contudo, o hospital al-Shifa assumiu uma importância particular porque é o maior da Faixa de Gaza e devido às acusações de Israel de que líderes do Hamas operavam um centro de controle sob ele. O Hamas e a equipe do hospital insistem de que se trata apenas de um centro de saúde.
O valor do Shifa como alvo militar não ficou claro logo após uma invasão israelense do local em 15 de novembro, mesmo depois que o Exército de Israel divulgou o vídeo do túnel sob o hospital.
Mas evidências examinadas pelo jornal The New York Times sugerem que o Hamas usou o hospital como cobertura, armazenou armas dentro dele e manteve um túnel sob o complexo, que era abastecido com água, energia e ar condicionado.
Documentos israelenses confidenciais, obtidos e revisados pelo New York Times, indicam que o túnel tem pelo menos 213 metros de comprimento, o dobro do que o Exército revelou publicamente, e que se estende além do hospital e provavelmente se conecta à rede subterrânea maior do Hamas.
De acordo com imagens analisadas pelo jornal, soldados israelenses encontraram abrigos subterrâneos, alojamentos e uma sala que parecia estar aparelhada com computadores e equipamentos de comunicação ao longo de uma parte do túnel além do hospital —espaços que não eram visíveis no vídeo divulgado por Israel.
No entanto, as Forças Armadas de Israel têm lutado para provar que o Hamas mantinha um centro de comando e controle sob o hospital. Críticos do Exército afirmam que as evidências não sustentam suas acusações iniciais, observando que os militares haviam distribuído material antes da operação mostrando cinco complexos subterrâneos e também haviam dito que a rede de túneis poderia ser acessada a partir de alas dentro de um prédio do hospital. Israel revelou publicamente a existência de apenas uma entrada de túnel nos terrenos do hospital, na cabana fora de seus prédios principais.
Israel afirma que agiu com cuidado porque o túnel estava com armadilhas e que ficou sem tempo para investigar antes de destruir o túnel e se retirar do hospital. Autoridades israelenses, falando sob condição de anonimato, disseram que Israel teve que se retirar do hospital para cumprir os termos de um cessar-fogo temporário no final de novembro.
Autoridades americanas afirmaram que informações de seus próprios setores de inteligência dão embasamento a Israel, incluindo evidências de que o Hamas usou o Shifa para manter pelo menos alguns reféns. Os EUA também indicam que os combatentes do Hamas saíram do complexo dias antes das forças israelenses entrarem, destruindo documentos e equipamentos eletrônicos ao fugir.
Hospitais são protegidos pelo direito internacional, mesmo que prestem cuidados médicos a combatentes, mas seu uso para outros atos que sejam prejudiciais ao inimigo pode torná-los alvos legítimos de ação militar. No entanto, qualquer ação deve ponderar a possível vantagem militar em relação ao dano esperado aos civis.
Oficiais israelenses argumentaram que o Shifa é um exemplo da disposição do Hamas em usar hospitais como cobertura e transformar civis em escudos humanos. Mas críticos dizem que também é um exemplo do impacto sobre os civis quando as forças israelenses cercam e invadem hospitais para perseguir combatentes do Hamas ou resgatar reféns, operações que podem impedir os médicos de obter combustível e suprimentos e os moradores de conseguir cuidados médicos necessários.
Cinco bebês prematuros morreram no Shifa devido à falta de eletricidade e combustível, de acordo com o Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU, que ajudou a organizar a retirada de outros 31 bebês. “Todos sabemos que o sistema de saúde está em colapso“, disse Lynn Hastings, coordenadora humanitária da ONU para Gaza, a repórteres.
Israel iniciou sua guerra em Gaza após o ataque liderado pelo Hamas em 7 de outubro, no qual cerca de 1.200 pessoas foram mortas e mais de 200, feitas reféns. Desde o início da guerra, mais de 28 mil palestinos foram mortos na Faixa de Gaza, segundo autoridades de saúde locais.
Diante da repreensão internacional por seus ataques a hospitais, Israel divulgou evidências que diz mostrar que o Hamas escondeu combatentes entre os doentes e feridos e manteve reféns em instalações médicas. O Exército israelense afirmou que, antes de entrar no Shifa, alertou os ocupantes dos prédios, abriu rotas para as pessoas saírem e enviou equipes médicas de língua árabe junto com os soldados.
O Hamas e autoridades de saúde de Gaza afirmam que os hospitais serviram apenas como centros médicos. Mas, além de acusar Israel de plantar evidências em hospitais, o Hamas e autoridades de Gaza não negaram diretamente as evidências apresentadas por Tel Aviv.
Israel afirmou ter detido dezenas de terroristas no hospital Kamal Adwan, em dezembro, e divulgou vídeos na ocasião de homens carregando armas. Segundo um porta-voz do Ministério da Saúde em Gaza, as forças israelenses haviam pedido aos administradores do hospital que entregassem as armas de seus guardas de segurança.
Após a operação no hospital Qataria, nome usado para o hospital Sheikh Hamad bin Khalifa al-Thani, especializado em próteses e reabilitação, o Exército israelense exibiu um vídeo em 5 de novembro que mostrava o que seria a entrada de um túnel usado para infraestruturas terroristas nos terrenos do complexo de saúde.
Mas o vídeo parece mostrar outra coisa: uma área de armazenamento de água datada de 2016, quando o hospital foi construído, de acordo com planos de engenharia e imagens da construção do local revisadas pelo New York Times. Israel se recusou a fornecer imagens adicionais para sustentar sua afirmação de que esta era uma entrada de túnel ou parte de um complexo de túneis.
Logo antes da operação no Shifa, as forças israelenses entraram no hospital Al-Rantisi, em 13 de novembro, depois da saída de seus pacientes e funcionários restantes. Em questão de dias, o Exército divulgou dois vídeos que mostravam armas e explosivos que, segundo eles, foram encontrados lá, e imagens de uma sala onde disseram que reféns haviam sido mantidos. O Ministério da Saúde em Gaza contestou as afirmações feitas nos vídeos e argumentou que as armas foram plantadas.
Um dos vídeos divulgados por Israel mostrava tropas entrando no hospital e aparentemente encontrando explosivos, armas e a sala de reféns. No outro, o contra-almirante Daniel Hagari, porta-voz do Exército israelense, exibiu armas e explosivos que, segundo ele, foram encontradas no porão do hospital. O vídeo incluía imagens de um pedaço de papel colado na parede do porão do hospital.
Hagari disse que o papel —uma grade com palavras e números em árabe dentro de cada quadrado— poderia ser um cronograma para a guarda de reféns onde cada terrorista escreve seu nome. Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, o papel não passava de um cronograma de trabalho.
Mas o calendário começa em 7 de outubro, o dia do ataque terrorista do Hamas em Israel, e um título em árabe escrito no topo usa o nome dos militantes para o ataque: “Batalha da Inundação de Al Aqsa, 7/10/2023”.