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Migrantes enfrentam travessia congelante do Canadá aos EUA – 13/02/2024 – Mundo

Em um galpão agrícola abandonado no interior rural do estado americano de Nova York, os pertences de uma família de migrantes que silenciosamente se abrigou uma noite ainda eram visíveis meses depois: algumas roupas e sapatos infantis, endurecidos pelo frio e uma fina camada de neve.

Thomas Brassard lembrou-se de sua surpresa quando viu a família —marido, esposa e dois filhos— saírem do galpão enquanto ele ligava seu caminhão de manhã cedo para ir trabalhar.

Eles lhe perguntaram em um inglês arranhado se ele poderia dar uma carona até a cidade mais próxima. Ele se desculpou e disse que não. E então ligou para a Patrulha de Fronteira, que os deteve na sequência.

Isso se tornou uma cena familiar em Champlain, Nova York, situada na fronteira do estado com o Canadá, tanto que a prefeita mantém gorros e luvas de lã no porta-malas de seu carro para distribuir aos imigrantes.

“O clima é tão severo que você simplesmente não consegue sobreviver”, disse Janet McFetridge, prefeita da vila. “A Patrulha de Fronteira está trabalhando arduamente para salvar vidas.”

À medida que os migrantes continuam a sobrecarregar a fronteira sul em números recordes, uma onda crescente está tentando uma rota alternativa para entrar nos Estados Unidos: através da fronteira canadense menos fortificada e mais extensa.

Em vez de lidar com uma jornada árdua através do estreito de Darién, entre a Colômbia e o Panamá, e um encontro quase certo com a Patrulha de Fronteira, imigrantes vindos de México, Índia e Venezuela, que têm os meios necessários, têm voado para o Canadá —aproveitando as travessias de fronteira sem muros ou cercas.

No entanto, as condições perigosas têm levado a resgates constantes de migrantes que ficam presos em florestas ou precisam ser tratados por hipotermia. Pelo menos 12 migrantes —famílias, crianças, uma mãe grávida— morreram ao tentar atravessar nos últimos dois anos, e seus corpos, congelados, foram recuperados de rios e florestas.

Autoridades na fronteira norte registraram 191,6 mil casos de pessoas atravessando para os EUA em 2023, um aumento de 41% em relação a 2022 —embora ainda seja um número pequeno em comparação com mais de 2 milhões de pessoas detidas na fronteira sul no ano passado.

E, embora a grande maioria desses migrantes tenha se apresentado em portos de entrada oficiais para solicitar asilo, um número crescente foi pego após atravessar ilegalmente, às vezes guiados por contrabandistas.

Mais de 12,2 mil pessoas foram detidas atravessando ilegalmente do Canadá no ano passado, um aumento de 241% em relação às 3.578 presas no ano anterior. A maioria delas era mexicana, que pode voar para o Canadá sem visto e pode preferir a fronteira norte para evitar os cartéis que exploram migrantes em seu país.

O fenômeno transformou a área de fronteira ao longo do norte de Nova York, Vermont e New Hampshire em um ponto de migração: cerca de 70% das travessias ilegais em 2023 ocorreram nesse trecho, conhecido como Setor de Swanton.

Robert Garcia, o agente-chefe de patrulha responsável pelo Setor de Swanton, disse em uma postagem nas redes sociais que as 3.100 pessoas detidas no setor desde outubro —mais do que nos últimos quatro anos fiscais combinados— eram de 55 países.

Autoridades de Proteção de Fronteiras e Alfândega dos EUA disseram que o país estabeleceu uma relação de trabalho próxima com o Canadá “para facilitar travessias legais por portos de entrada e combater a migração irregular, incluindo no Setor de Swanton”.

“A patrulha se ajusta continuamente às tendências em mudança, ao mesmo tempo em que continua a pedir ao Congresso que forneça os recursos e o pessoal necessários para sustentar e melhorar nossa segurança de fronteira em todas as nossas fronteiras”, disse um porta-voz da agência em comunicado.

As travessias ilegais às vezes são facilitadas por novas operações de contrabando de pessoas, muitas vezes baseadas fora de Nova York, que anunciam seus serviços nas redes sociais e cobram dos migrantes milhares de dólares para levá-los ao país a partir do Canadá, muitas vezes deixando-os endividados com os contrabandistas.

Procuradores federais em Syracuse, Nova York, moveram uma série de casos com o objetivo de derrubar empresas de contrabando, detalhando como contrabandistas —tanto americanos quanto estrangeiros— ajudam a guiar migrantes por florestas e coordenam motoristas com placas de outros estados para buscá-los assim que passam.

As prisões ocorrem enquanto muitos migrantes morrem ao tentar atravessar em condições traiçoeiras. Em janeiro de 2022, uma família indiana de quatro pessoas —incluindo uma menina de 11 anos e um menino de 3 anos— foi encontrada congelada até a morte a poucos metros da fronteira em Manitoba, Canadá.

Um ano depois, os corpos de oito pessoas —uma família indiana e uma família romena— foram recuperados do rio St. Lawrence, em Quebec. Todos estavam tentando atravessar para os EUA.

Em janeiro de 2023, Fritznel Richard, 44, um homem haitiano foi encontrado congelado até a morte nas florestas de um município fronteiriço em Quebec. No mês seguinte, Jose Leos Cervantes, 45, do México, desmaiou e morreu logo após entrar em Vermont.

E em 14 de dezembro, as autoridades encontraram o corpo de uma mulher mexicana de 33 anos, que estava grávida de cinco meses, no rio Great Chazy em Champlain. Ana Vasquez Flores havia viajado de Quebec e estava tentando se reunir com seu marido nos EUA.

Logo depois, promotores dos EUA acusaram um homem colombiano que morava no Canadá de vender seus serviços de contrabando no TikTok para Vasquez Flores e seu marido, cobrando US$ 2.500 para guiá-la pela fronteira por meio de mensagens de texto. O homem foi preso e extraditado para os EUA.

Partes da fronteira entre os EUA e o Canadá —a fronteira internacional mais longa do mundo— são separadas por barreiras naturais, como os Grandes Lagos. Mas grande parte, especialmente no nordeste de Nova York, é plana e desolada, pontilhada apenas por florestas ou campos abertos onde simples marcos de pedra delimitam a fronteira.

Segundo autoridades, muitos migrantes que cruzam ilegalmente para os Estados Unidos estão atravessando florestas transitáveis que ainda podem ser perigosas. As temperaturas regularmente caem abaixo de zero nas noites frias de inverno, tornando-se perigosamente frio para aqueles sem roupas adequadas. E as florestas podem estar cheias de riachos, lagoas e pântanos que congelam rapidamente.

Oficiais da Patrulha de Fronteira disseram que realizaram 15 missões de resgate, nas quais 37 pessoas foram resgatadas ao longo da fronteira norte desde outubro de 2022.

Fonte: Folha de São Paulo

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