Uma constatação quantificada: em razão do conflito com o Hamas na Faixa de Gaza, o Likud, partido do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, elegeria hoje apenas 14 deputados para o Knesset, Parlamento unicameral de Israel que tem 120 cadeiras.
Seria uma bancada ridícula se comparada aos 32 deputados hoje em plenário, dentro de uma coalizão que reúne 64 integrantes, alguns deles de uma ultradireita radical e messiânica.
O prognóstico está em pesquisa de 30 de janeiro e foi citado em conferência na Universidade de Oxford (Reino Unido) pela ex-deputada, ex-ministra da Educação e acadêmica Yael Tamir. Ela pertence aos quadros da universidade britânica, onde foi orientada pelo célebre Isaiah Berlin. É também a reitora, em Israel, da Universidade Beit Berl. Foi ainda militante trabalhista e uma das fundadoras do Paz Agora, movimento de diálogo com os palestinos.
Ela discursou sobre os movimentos internos da opinião pública israelense com o conflito aberto pelo grupo terrorista islâmico. E suas conclusões são relativamente positivas para um horizonte ainda afastado de paz.
Acredita na convivência de dois Estados —com o palestino de início desmilitarizado e uma dinâmica de negociações que envolva um grupo amplo de países, dos Estados Unidos à Arábia Saudita.
Acredita que o Hamas vá estar descartado desse novo quadro político e que a Autoridade Palestina daria apenas seu aval. Tudo teria como ponto inicial a libertação dos reféns israelenses capturados pelos terroristas em 7 de outubro.
Para o Centro do Oriente Médio, de Oxford, Tami não é uma simples cientista política. A instituição a vê como alguém capaz de elaborar previsões em nada verossímeis.
Um exemplo: ela afirma, sem medo de ser acusada de aversão à democracia, que a paz só virá por meio de uma solução imposta de cima para baixo. Ou seja, bem além de discussões políticas consensuais em Israel, com sua sociedade fragmentada, ou entre os palestinos, menos habituados à democracia. Ou melhor, que tiveram suas lideranças destruídas por Israel, porque Netanyahu preferia coabitar com o Hamas, intransigente e antissemita. Era uma maneira de empurrar os palestinos indefinidamente com a barriga.
Ela cita como liderança palestina politicamente viável Salam Fayaad. Ele deseja eleições que há dez anos a Autoridade Palestina na Cisjordânia vem adiando. Mas Fayaad não seria um dos pais de uma solução política, que Yael Tamir acredita que precisa vir agora de fora.
“Sem uma solução de autoria coletiva e que tome o Oriente Médio como um conjunto coerente de problemas, o conflito entre israelenses e palestinos tende a adormecer e a eclodir logo em seguida.” Devem se envolver lideranças árabes, como o Egito e a Jordânia, mais os europeus e os norte-americanos.
Os EUA sabem que o Irã, personagem singular, ataca Israel porque sabe que indiretamente estará também arranhando os nervos de Washington. Só uma coalizão mais ampla construiria um guarda-chuva sólido e com respeitabilidade internacional.
De certo modo, Tamir reconhece implicitamente que a democracia israelense não está funcionando. A sociedade local não seria descartada do processo, mas a solução viria de aliados de fora —mesmo os mais recentes, como o caso provável dos sauditas.
Mas são ingredientes políticos de um passo ainda distante. O clima interno da opinião pública em Israel é outro. Convive-se com o susto e com o discurso de um governo que tenta manter a população cada vez mais dividida. As pessoas perderam a proporção do que é realista, como ao associarem o Hamas ao Holocausto. “Não é isso” —disse uma sobrevivente do genocídio nazista que a conferencista citou. “Naquela época o medo durou quatro anos e não tínhamos um Estado para nos proteger.”
Em momentos de crise, diz Yael Tamir, as réguas que medem o medo e o sofrimento ficam elásticas e aumentam de tamanho. E é também difícil se colocar no lugar do outro palestino e imaginar sua dor pela destruição física de Gaza, no olho de uma crise que foi o Hamas, e não Israel, que desencadeou.
A acadêmica evoca em rápido momento a possibilidade de os reféns serem devolvidos dentro de caixões. Se isso ocorresse, seria difícil evitar a eclosão de uma revolta que deixaria poucas coisas em pé dentro de Israel. O papel simbólico dos sequestrados é grande o bastante para que se exija que sejam libertados em estado razoável de saúde.
Por fim, discorre sobre a semelhança entre os muçulmanos radicais do Hamas e os judeus da ultradireita religiosa. Qualquer entendimento mútuo deverá corresponder ao retorno às maneiras laicas de fazer política.