Organizações de direitos humanos da Venezuela denunciam neste domingo (11) a detenção da renomada ativista Rocío San Miguel, 57, especializada em questões militares, quando tentava deixar o país no Aeroporto Internacional Simón Bolívar, em de Maiquetía.
O regime de Nicolás Maduro não comentou a detenção, e tampouco se sabe o paradeiro da especialista que também possui nacionalidade espanhola e mais de uma vez foi acusada pela ditadura de tramar contra o regime. Ela teria sido presa na noite da última sexta (9).
A ausência de notícias fez outros renomados especialistas afirmarem que o caso da diretora da ONG Control Ciudadano (controle cidadão), que analisa as ações das Forças Armadas, pode configurar mais um episódio de desaparecimento forçado no país.
A prática vem se tornando corriqueira e já foi denunciada, entre outros, pelo Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos.
“O desaparecimento forçado constitui uma múltipla violação dos direitos humanos e coloca as vítimas em uma situação de desamparo e seus familiares na incerteza, um tratamento cruel, desumano e degradante”, escreveu em nota a ONG Provea (Programa de Educação em Direitos Humanos).
“Mas, lamentavelmente, o desaparecimento forçado se tornou uma prática recorrente no amplo repertório repressivo das autoridades da Venezuela, executada com o objetivo de silenciar as críticas”, seguiu.
San Miguel se tornou conhecida porque, além do fato de hoje ser uma das principais vozes independentes a analisar o regime, ela também foi um dos primeiros alvos da perseguição política na Venezuela em meio à autocratização do poder no início dos anos 2000.
Em 2004, quando atuava como funcionária no Conselho Nacional de Fronteiras da Venezuela, ela e outras duas colegas foram sumariamente demitidas após assinarem uma petição a favor de um referendo que votaria a revogação do mandato do então presidente Hugo Chávez.
Chávez afirmou que o referendo atentava contra a soberania nacional e exigiu às autoridades eleitorais que entregassem uma cópia da lista dos que assinaram a petição. Com seu nome na lista, ela foi demitida pouco depois e chegou a apresentar seu caso à CIDH, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e à corte de mesmo nome.
Em 2012, a CIDH chegou a emitir medidas cautelares de proteção a Rocío San Miguel e sua filha, afirmando que ambas eram ameaçadas por autoridades. Depois, em 2018, emitiu parecer favorável ao caso, mas deu até o próximo 6 de maio para que Caracas respondesse. Até aqui, o regime de Maduro não tem respeitado as decisões da comissão.
A possível nova detenção mais uma vez amplia os alarmes sobre o autoritarismo na Venezuela. Em especial porque é ampla a expectativa sobre a possibilidade de eleições presidenciais serem realizadas no país neste ano, ainda que o descrédito em relação ao pleito seja amplo, com boa parte da comunidade internacional e de especialistas prevendo que Maduro não se desprenderá tão fácil do poder.
Os temores cresceram após Caracas inabilitar eleitoralmente os principais nomes da oposição, com María Corino Machado à frente. Ela foi, aliás, uma das que saiu em defesa de Rocío San Miguel. “Pedimos solidariedade nacional e internacional com ela e com todos os presos e perseguidos políticos da Venezuela”, escreveu neste domingo no X.
Outro opositor de peso, Henrique Capriles também comentou o assunto. “Mais uma vez o poder segue uma dinâmica de terror, perseguição, criminalização e arbitrariedades para neutralizar aqueles que pensam diferente”, escreveu ele na mesma rede social.
O caso de um novo desaparecimento forçado também constitui mais um entrave aos chamados Acordos de Barbados, assinados entre regime e oposição em outubro passado para criar as bases para eleições presidenciais competitivas neste ano. As tratativas poderiam constituir um grande avanço nos esforços para atenuar a crise política e a asfixia socioeconômica no país, e também por isso foram amplamente saudadas pelo governo brasileiro, de Lula (PT).
No entanto, os acordos basicamente não saíram do papel desde então.