Quatro dias após as eleições de El Salvador, a apuração dos votos está estacionada, segundo registrava o TSE (Tribunal Supremo Eleitoral) nesta quinta-feira (8), o que tem criado um clima de caos no país centro-americano.
O ritmo contrasta com pleitos anteriores, mas não impediu o presidente, Nayib Bukele, de anunciar sua vitória. O político o fez, aliás, ainda no último domingo (4), quase duas horas depois do fechamento das urnas, ao afirmar que os números de sua equipe indicavam que os salvadorenhos haviam escolhido sua continuidade na Presidência com 85% dos votos, e que o Legislativo contaria com 58 deputados do seu partido, o Novas Ideias, em um total de 60.
Naquele momento, a corte eleitoral ainda não havia disponibilizado dados e a maioria dos centros de votação não havia aberto as urnas de votos para deputados.
Na noite desta quinta, dados oficias do tribunal indicavam que Bukele teria 83,13% dos votos com mais de 70,25% das urnas apuradas. Já a apuração para deputados da Assembleia, essencial para o presidente manter as políticas que lhe deram tamanha popularidade, avançou somente 5,06%
Embora os números para a Presidência sejam compatíveis com pesquisas de intenção de voto de diferentes institutos de pesquisa, é comum que os candidatos esperem manifestações do TSE para cantar vitória —o que, via de regra, aconteceu no mesmo dia do pleito nos últimos anos.
Em 2019, Bukele se proclamou vencedor meia hora antes da manifestação da corte, que aconteceu às 21h48 do domingo de eleição. Quando o tribunal veio à público, quase cinco horas depois do fim da votação, 53,78% das urnas haviam sido apuradas e a tendência já era “definitiva”, embora os dados fossem preliminares, afirmou na época o então presidente do TSE, Julio Olivo.
Neste ano, a população ficou no escuro por cerca de uma hora, até a empresa CID-Gallup divulgar uma pesquisa de boca de urna que atribuía a Bukele 87% dos votos. Enquanto isso, as emissoras locais acompanhavam a apuração de centros de votação isolados, sem ter ideia de como os resultados gerais se desenrolavam. Dados preliminares foram disponibilizados somente às 22h30 locais, cinco horas e meia depois do fim da votação, quando apenas 13% das urnas haviam sido apuradas, e com informações incompatíveis com o número de eleitores.
Oficialmente, pouco se sabe sobre o que realmente aconteceu. Na imprensa local, porém, há relatos de falta de luz nos centros de votação, internet instável, ausência do tipo de material e falhas no software de contagem, que duplicava votos. Além disso, foram encontrados pacotes de atas violados, ainda segundo os jornais salvadorenhos.
Mesmo antes do momento de apuração dos votos, já havia denúncias de desigualdade no pleito. Cidadãos designados a participar das Juntas Receptoras de Voto, órgãos temporários que fazem o escrutínio do sufrágio ao fim da jornada eleitoral, afirmaram ter sido enviados de volta para suas casas ao tentar exercer a função. Os relatos indicam que seus postos foram ocupados por pessoas do Novas Ideias, que teriam preenchido os lugares das juntas de forma desigual.
A confusão fez a presidente do TSE, Dora Martínez, pronunciar-se no dia seguinte à votação. “Alguns inconvenientes dificultaram o fluxo da transmissão conforme o planejado. Não foi possível concluir como esperado a transmissão dos resultados eleitorais preliminares, apesar de todos os esforços institucionais”, afirmou ela na última segunda-feira (5).
A declaração é muitos tons abaixo do que ela teria dito em uma reunião privada com líderes de partidos políticos na última terça-feira (6), segundo áudios revelados pelo jornal salvadorenho El Faro.
“O Tribunal assume o que aconteceu. Mas também quero dizer algo a vocês: nós vamos buscar responsabilização. Porque esses pacotes [de atas] passam por um controle de qualidade, e me parece tendencioso que metade tivesse papel de segurança e os outros não”, teria afirmado Martínez, ao mencionar o dispositivo que garante a inviolabilidade das atas. “Não descartamos que tenham intervindo para que as coisas acontecessem como aconteceram, e obviamente vai haver uma denúncia na Procuradoria para que essa falha seja investigada.”
No mesmo dia em que os áudios teriam sido gravados, o TSE autorizou a abertura das urnas para a apuração final, voto por voto, diante da impossibilidade de fazer a contagem de outra forma. Segundo o jornal La Prensa Gráfica, as siglas da oposição consideram pedir a anulação das eleições legislativas e sua transferência para março, quando acontecerá a votação para os cargos municipais.
Ruth Eleonora López, especialista em direito eleitoral da ONG de direitos humanos Cristosal, afirma que houve uma falta de ação generalizada do tribunal —como, aliás, aconteceu em toda a eleição, no seu ponto de vista.
“Com todo esse problema, a primeira coisa que o tribunal deveria ter garantido naquela noite era a segurança dos pacotes de atas, porque eles não tinham os resultados”, afirma ela. “Mas ainda ontem eles estavam sendo recolhidos das escolas. Quem ficou ao lado desses pacotes? Ali está a vontade popular dos cidadãos expressa em votos, e alguém tem que custodiar.”
Segundo um relatório preliminar da OEA (Organização dos Estados Americanos), as falhas “poderiam ter sido evitadas com melhor planejamento institucional e medidas de contingência”.
No mesmo documento, o órgão afirmou que “a ampla diferença entre o candidato vencedor e seus adversários não deixa dúvidas sobre os resultados eleitorais e coincide com os dados recolhidos pela missão”, mas que vozes dissonantes da sociedade civil “enfrentaram obstáculos para se manter ativas durante o processo eleitoral”.