A Justiça da Holanda determinou, na manhã de quinta-feira (8), a internação compulsória para tratamento psiquiátrico do brasileiro Begoleã Mendes Fernandes, 26. Em fevereiro de 2023, ele assassinou o também brasileiro Alan Lopes, 21, a quem acusava de ser canibal, na região de Vegastraat, no norte de Amsterdã.
Begoleã foi preso no dia seguinte ao crime, no aeroporto de Lisboa, quando tentava fugir para o Brasil usando um documento italiano falso. Ele carregava na bagagem pedaços de carne que alegava serem de origem humana, o que foi posteriormente descartado pela perícia.
Embora tenham reconhecido que o réu agiu de maneira premeditada no assassinato, as autoridades holandesas levaram em consideração um laudo que indicou que o brasileiro tem esquizofrenia e era inimputável no momento do crime.
A Justiça também determinou que Begoleã deve pagar uma indenização aos pais vítima.
A defesa do jovem tem duas semanas para recorrer da sentença. A reportagem não conseguiu contato com seu advogado para comentar a decisão.
À Folha Kamila Lopes, irmã do jovem assassinado, afirmou que a família já imaginava que a sentença seria essa. “Não pretendemos recorrer”, explicou.
O crime aconteceu no apartamento em que Alan Lopes morava com a irmã e a mãe. Natural do Distrito Federal, o jovem vivia havia sete anos com a família na Holanda, onde trabalhava em um açougue.
A vítima era amiga de Begoleã, que estava em situação irregular no país europeu, não tinha trabalho nem residência fixa e passava por dificuldades financeiras.
No fim de semana em que ocorreu o assassinato, para ajudar Begoleã a não gastar dinheiro, Alan o convidou a permanecer em seu apartamento, enquanto suas familiares faziam uma viagem a Paris.
Em depoimento, Begoleã voltou a afirmar que cometeu o crime por considerar que Alan era um canibal. Segundo ele, durante um jantar, o jovem preparou pedaços de carne de origem suspeita e teria afirmado que consumiria partes humanas.
Após a refeição, cada um foi dormir num cômodo da casa. Enquanto Begoleã permaneceu na sala, Alan foi para o quarto. De madrugada, a vítima foi atacada ainda na cama.
Begoleã afirmou que percebeu que Alan fingia dormir e se sentiu então ameaçado. Ele admitiu que entrou no quarto com uma faca, mas afirma que foi atacado antes desferir os golpes contra o rapaz.
Segundo reportagem do canal de notícias AT5, que acompanhou a audiência, Alan afirmou que estava fora de si durante o crime.
“Eu o segurei pelo peito e o esfaqueei na garganta com uma faca. Eu estava fora de mim naquele momento. Eu tinha sangue e não era mais eu mesmo. Estava possuído pelo demônio.”
Um laudo no corpo do jovem brasileiro indicou que ele foi esfaqueado cerca de cem vezes.
Antes de fugir, Begoleã recolheu pedaços de carne que estavam na casa da vítima. O objetivo, segundo ele, era provar que Alan consumia tecidos humanos. Foi esse o material apreendido com ele no aeroporto de Lisboa. Segundo a polícia holandesa, a carne era de origem animal.
As autoridades portuguesas deportaram o brasileiro para a Holanda dias após a detenção.
Embora Begoleã tenha dito que agiu em legítima defesa, uma testemunha depôs afirmando que ele já havia manifestado anteriormente o desejo de matar Alan. A investigação holandesa indicou ainda que, na véspera do crime, o brasileiro usou o telefone para pesquisar sobre a existência de pena de morte na Holanda.
A Justiça descartou as afirmações feitas por Begoleã contra Alan.
A interpretação é de que o réu teve um delírio paranoico. Especialistas que examinaram o brasileiro afirmaram que Begoleã é esquizofrênico e não poderia ser responsabilizado pelo crime, mas que havia chances de reincidência. Por isso, em vez da prisão, foi recomendada a internação com tratamento psiquiátrico compulsório.
“É um alívio muito grande”, diz a irmã da vítima, sobre a decisão das autoridades holandesas. “Nós tínhamos a nossa certeza, mas ouvir de pessoas que são profissionais nos traz um conforto maior”, afirmou.
Nascido em Matipó, no interior de Minas Gerais, Begoleã Fernandes abandonou a faculdade de odontologia para tentar uma carreira como lutador na Europa. Em situação migratória irregular e sem trabalho fixo na Holanda, ele fazia alguns trabalhos com aplicativos de entrega.
Pessoas que conviveram com o suspeito relatam que ele apresentava comportamento paranoico pelo menos nas duas semanas que antecederam o crime.