Como tem sido a marca em sua conturbada existência de 76 anos, o Paquistão vai nesta quinta (8) às urnas sob a sombra da violência e de guerras sectárias entre seus grupos políticos majoritários.
Na véspera do pleito, duas explosões na província do Baluchistão mataram 26 pessoas e feriram dezenas de outras, em um ataque terrorista assumido pela versão local do grupo Estado Islâmico. A ação ocorreu dois dias depois de outro atentado, que deixou dez mortos no distrito de Pishin, junto à fronteira afegã.
Foram alvejados escritórios de candidatos independentes e de siglas islâmicas ao Parlamento. A tensão se soma ao clima político conflagrado pela prisão do ex-premiê Imran Khan, condenado três vezes desde a semana passada por crimes alegados que vão de vendas de segredos de Estado a casamento ilegal.
Khan, um ex-astro do críquete, equivalente ao futebol brasileiro em popularidade no país, havia sido premiê de 2018 até maio do ano passado, quando caiu após condenação judicial em outro caso de corrupção. Sua posterior prisão gerou protestos de ruas. Ele foi solto provisoriamente em agosto de 2023, e agora voltou para a cadeia.
É terrivelmente banal a violência antes e durante eleições no Paquistão. A instabilidade política, idem: o favorito a tomar o lugar do partido de Khan, o PTI, é a sigla do também ex-premiê Nawaz Sharif —este um veterano com três mandatos no posto nas costas, todos eles encerrados com ele sendo chutado do poder, em uma ocasião num golpe militar.
Seja como for, a reemergência de insurgentes islâmicos é uma marca preocupante deste pleito. Enquanto o Estado Islâmico assumiu o atentado desta quarta (6), o TTP (Talibã paquistanês) se responsabilizou pela ação da segunda. O grupo havia surgido à sombra de seu irmão afegão, que foi criado nas áreas tribais paquistanesas e voltou ao poder no país vizinho em 2021.
Mesmo se conseguir vantagem na eleição parlamentar, o partido de Khan terá dificuldade de apresentar um nome viável para comandar o país. O ex-premiê o fez de 2018 a 2022 com relativo sucesso.
A hipótese mais provável é a de um Parlamento em balanço, com nenhum partido alcançando a maioria de 169 de 336 deputados para governar. Aí quem entra na equação é o PPP (Partido do Povo do Paquistão), liderado por Bilawal Bhutto Zardari.
Ele chegou a ser chanceler e é filho da primeira-ministra Benazir Bhutto, assassinada em 2007, e do ex-presidente Asif Ali Zardari (2008-2013), o famoso “sr. 10%”, referência à sua taxa usual de corrupção em contratos, negada pelo político.
Com meros 35 anos, Bilawal é visto como um nome em ascensão na política, já tendo ocupado o cargo de chanceler. O provável terceiro lugar de sua agremiação poderá definir quem mandará no país.
O Paquistão é uma terra inescapável em análises geopolíticas. É mais populoso que o Brasil (241 milhões de habitantes, ante 215 milhões), está no centro de tensões transnacionais desde sua fundação em 1947 e, não menos importante, é a quinta maior potência nuclear do mundo, com 170 ogivas segundo a Federação Americana de Cientistas.
Após décadas em que o poder era dividido entre os três As (Exército, Deus e América, na sigla inglesa), muito mudou com a debacle da chamada guerra ao terror lançada pelos EUA, então aliados do Paquistão, na esteira do 11 de setembro de 2001. Agora, a China e seu poderio econômico dão as cartas, com o Exército seguindo no seu papel de moderador das relações sociais. Deus, Alá no caso, fica para depois.
Cerca de 128,5 milhões de paquistaneses podem votar. São mais de 5.000 candidatos para as 336 vagas do Parlamento federal, além de mais do que o dobro para Assembleias provinciais. Na esfera federal, 60 vagas são exclusivas para mulheres e 10, para não muçulmanos na república que leva o nome de “terra dos puros”, no caso para os aderentes do Islã.
O país está, como também de costume, sob a espada de Dâmocles de uma crise financeira, sobrevivendo por ora com um programa de ajuda de R$ 15 bilhões do FMI (Fundo Monetário Internacional) negociado no governo Khan.
O pacote expira em março, obrigando comprometimento do novo governo para sua extensão. Outros pontos na agenda são a sempre tensa relação com a Índia, rival existencial desde a partilha da antiga colônia britânica em 1947.