Para muitas pessoas fora da Faixa de Gaza, a guerra passa como um fluxo de manchetes nos jornais, números de vítimas e fotos de crianças gritando: os pedaços sangrentos da angústia alheia.
A verdadeira escala de morte e destruição, no entanto, é impossível de compreender. Seus detalhes são obscurecidos pelos apagões de internet e telefonia, pelas restrições a jornalistas internacionais e pelos desafios extremos, muitas vezes com risco de vida, de reportar como jornalista local no território palestino.
Existem pequenas brechas na escuridão, como os perfis no Instagram de fotógrafos em Gaza e um pequeno número de testemunhos que conseguem escapar. Entretanto, a cada semana que passa, a luz diminui à medida que aqueles que documentam a guerra partem, desistem ou morrem. Reportar de Gaza passou a parecer um risco sem sentido para alguns jornalistas locais.
“Sobrevivi à morte várias vezes e me coloquei em perigo” para documentar a guerra, escreveu Ismail al-Dahdouh, um repórter de Gaza, em uma publicação no Instagram em janeiro para anunciar que estava abandonando o jornalismo.
Pelo menos 76 jornalistas palestinos foram mortos em Gaza desde 7 de outubro, quando terroristas do Hamas atacaram Israel, que respondeu lançando uma guerra total no território. O Comitê de Proteção aos Jornalistas afirma que mais profissionais da mídia —incluindo pessoal de apoio essencial, como tradutores, motoristas e guias— foram mortos nas últimas 16 semanas do que em um ano inteiro de qualquer outro conflito desde 1992.
“Com cada jornalista morto, perdemos nossa capacidade de documentar e entender a guerra”, disse Sherif Mansour, coordenador do programa do Oriente Médio do grupo.
O jornal The New York Times e outros veículos internacionais retiraram jornalistas palestinos que trabalhavam para eles em Gaza, embora algumas agências de notícias ocidentais ainda mantenham equipes na área.
Ao mesmo tempo, repórteres estrangeiros têm repetidamente tentado entrar, mas tiveram permissão negada por Israel e Egito, que controlam as fronteiras de Gaza.
Alguns poucos se integraram ao Exército israelense em visitas curtas que oferecem uma visão limitada e selecionada do conflito. Um correspondente da CNN relatou brevemente de dentro de Gaza depois de entrar com um grupo de ajuda dos Emirados Árabes Unidos.
Além desses, apenas jornalistas de Gaza têm trabalhado no território sob ataque desde o início da guerra.
Quase todos os jornalistas que morreram em Gaza desde 7 de outubro foram atingidos por ataques aéreos israelenses, de acordo com o Comitê de Proteção aos Jornalistas; 38 deles em casa, em seus carros ou ao lado de membros da família. Isso levou muitos palestinos a acusar Israel de atacar jornalistas, embora o CPJ não tenha ecoado essa acusação.
“Israel tem medo da narrativa palestina e dos jornalistas palestinos”, disse Khawla al-Khalidi, 34, jornalista de TV de Gaza para a Al-Arabiya, um conhecido canal de TV regional em árabe. “Eles estão tentando nos silenciar cortando as redes.”
Nir Dinar, um porta-voz militar israelense, disse que Israel “nunca visou e nunca visará deliberadamente jornalistas”. Mas ele alertou que permanecer em zonas de combate ativas traz riscos, e chamou a acusação de que Israel estava cortando deliberadamente as redes de comunicação para esconder a guerra de “calúnia”.
O Sindicato dos Jornalistas Palestinos, que tem membros tanto em Gaza quanto na Cisjordânia, contabilizou pelo menos 25 jornalistas de Gaza que, segundo eles, estavam usando coletes à prova de balas com a palavra “imprensa” quando foram mortos, disse Shuruq Asad, porta-voz do sindicato. Alguns jornalistas têm dormido longe de suas famílias com medo de que abrigar-se com parentes os coloque em risco, acrescentou ela.
Desde 7 de outubro, Israel bloqueou a maior parte da eletricidade de Gaza e proibiu a entrada de ajuda humanitária no território, exceto em pequenas quantidades. A guerra também danificou ou cortou as redes de comunicação, tornando quase impossível para a maioria dos residentes de Gaza darem entrevistas a veículos de mídia estrangeiros. As telecomunicações desapareceram completamente mais de meia dúzia de vezes durante o conflito.
Cabe aos jornalistas de Gaza, na maioria trabalhando para veículos palestinos ou árabes da região, como a qatariana Al Jazeera, ou jovens jornalistas independentes equipados com pouco mais do que o Instagram, trazer fragmentos da realidade de Gaza para o exterior. Com seus coletes azul-marinhos com a palavra “imprensa” instantaneamente reconhecíveis, muitos têm chamado a atenção nas redes sociais.
Toda vez que Amr Tabash, 26, um fotojornalista independente em Gaza, corre para capturar as consequências de um ataque aéreo, ele disse sentir medo de encontrar sua família entre as vítimas. Cobrindo um ataque, ele descobriu que seu tio e seu primo haviam sido mortos.
“Eu preciso estar totalmente focado relatando” os ataques de Israel, disse ele. “Mas estou sempre preocupado com minha família, e isso ocupa uma grande parte do meu foco.”
Outros optaram por deixar Gaza. Motaz Azaiza, um fotojornalista que conquistou um grande número de seguidores no Instagram com sua cobertura da guerra, foi para o Qatar na semana passada.
Al-Khalidi, a jornalista da Al-Arabiya, disse que nunca considerou deixar o jornalismo, mesmo quando o trabalho se tornou extremamente difícil, muito pior do que nas guerras anteriores que ela havia coberto. Mas desta vez, não havia relatos de ataques durante o dia e voltar para casa de sua família à noite, sem chuveiros quentes, com pouca comida. Ela e sua família tiveram que abandonar seu lar e procurar abrigo, disse ela.
“Não estamos apenas relatando o que está acontecendo. Já fazemos parte do que está acontecendo”, afirmou.