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Uganda corre risco de nova epidemia de HIV – 21/01/2024 – Mundo

Por décadas, a campanha de Uganda contra o HIV foi exemplar, reduzindo a taxa de mortalidade do país em quase 90% de 1990 a 2019. Agora, uma lei do ano passado, conhecida como lei anti-homossexualidade, ameaça trazer a epidemia de volta —já que pessoas LGBT+ têm cuidados negados ou têm medo de buscá-los.

A lei criminaliza o sexo consensual entre adultos do mesmo sexo. Também exige que cidadãos denunciem qualquer pessoa suspeita da atividade, incluindo profissionais de saúde.

Sob a lei, ter relacionamentos entre o mesmo sexo portando HIV pode resultar em acusações de “homossexualidade agravada”, que pode ser punida com a morte.

Qualquer pessoa que “promova conscientemente a homossexualidade” —ao contratar, abrigar uma pessoa LGBT+ ou ao não denunciá-la à polícia— pode enfrentar até 20 anos de prisão. Dezenas de ugandenses foram despejados de suas casas e demitidos de seus empregos, de acordo com advogados e ativistas.

Armadilhas e chantagens, às vezes feitas pela polícia, são comuns pessoalmente, nas redes sociais e em aplicativos de namoro. Pessoas LGBT+, assim como defensores e profissionais de saúde que os ajudam, têm sido alvo de ameaças e violência.

A lei foi condenada globalmente e causou um impacto significativo na economia de Uganda. No entanto, é amplamente popular entre seus cidadãos. Muitos veem a homossexualidade como uma influência ocidental e a lei como uma correção. O Tribunal Constitucional do país está prestes a decidir sobre a legalidade da lei na próxima semana.

Em resposta à pressão de organizações globais de saúde, o Ministério da Saúde de Uganda garantiu, em junho, atendimento médico a qualquer pessoa, independentemente de orientação ou identidade. Não prometeu, no entanto, que os pacientes estariam seguros contra processos criminais.

O Ministério da Saúde do país não respondeu a múltiplos pedidos de comentários sobre o impacto da lei na saúde pública.

Mas a doutora Jane Aceng, ministra da Saúde, afirmou na rede social X, ex-Twitter, que o governo garantirá acesso a programas de prevenção ao HIV e “continua comprometido em acabar com a Aids”.

Outros veem um desastre prestes a acontecer. Embora a lei mire a comunidade LGBT+, o estigma e a discriminação podem desencorajar todos em buscar cuidados, diz William Popp, embaixador dos EUA em Uganda.

“Nossa posição do governo dos Estados Unidos é que a lei inteira deveria ser revogada”, disse em entrevista. “É uma violação dos direitos humanos básicos e coloca todos em risco.”

Defensores e prestadores de cuidados de saúde em Uganda dizem temer que a legislação tenha tido um efeito devastador na saúde pública. Embora seja difícil ter dados precisos, clínicas e hospitais estimam que o número de pessoas procurando testes, prevenção ou tratamento para o HIV diminuiu pelo menos pela metade.

Alguns abrigos para pessoas com HIV fecharam, e alguns centros que antes ofereciam cuidados sem necessidade de agendamento agora atendem em horários limitados, muitas vezes apenas com hora marcada.

Dezenas de prestadores de cuidados de saúde e pacientes foram presos.

“O governo tentou criar a impressão de que a lei anti-homossexualidade não está sendo aplicada, que não representa uma ameaça real para as pessoas LGBT+, mas isso não é verdade”, disse Justine Balya, diretora do Fórum de Conscientização e Promoção dos Direitos Humanos, que representa muitos dos detidos.

Uganda esteve na vanguarda da pesquisa sobre o HIV e na política de saúde pública. Mas a nova lei exige que os cientistas revelem as identidades dos participantes do estudo.

“É preocupante do ponto de vista da pesquisa e acadêmico, e preocupante do ponto de vista científico para desenvolvermos efetivamente os medicamentos e ferramentas necessários para enfrentar a doença”, disse Popp.

Globalmente, a proteção dos direitos gays está intrinsecamente ligada ao controle do HIV.

Homens gays e bissexuais que vivem em países que aplicam leis criminalizando a homossexualidade têm 12 vezes mais chances de viver com o HIV do que aqueles no resto do mundo, segundo um recente relatório da ONU.

“Estamos sofrendo muito, e nossa vida está em perigo”, disse Nathanian Issa Rwaguma, 34 anos, um homem gay e ativista.

Apoiadores ocidentais ofereceram poucos recursos necessários para proteger essa comunidade, especialmente quem é crítico. “Você espera um defensor dos direitos humanos morto ou vivo?”, perguntou Hajjati Abdul Jamal, uma mulher trans de 29 anos.

Muitos ugandenses que foram presos não foram acusados sob a lei, mas sim de terem “conhecimento carnal contra a ordem da natureza” ou tráfico sexual, disse Balya.

Em março, três homens gays e três mulheres trans que trabalhavam como educadores de HIV foram presos em Jinja, uma cidade no leste de Uganda.

Eles passaram quatro meses na prisão sofrendo assédio sexual, espancamentos e duas rodadas de exames anais forçados, de acordo com o médico que administra a clínica onde trabalhavam e seus advogados. Uma educadora foi tão severamente chicoteada que não conseguia sentar ou deitar por duas semanas.

Em Lugazi, Mbarara e várias outras cidades profissionais foram presos por distribuir lubrificantes e preservativos.

“Isso faz parte do clima geral de perseguição e violência que amedronta os trabalhadores de saúde, assim como homens gays e bissexuais e mulheres trans”, disse Asia Russell, diretora executiva do grupo de defesa Health Gap.

Aproximadamente 13% dos homens ugandenses gays têm HIV.

A clínica de doenças sexualmente transmissíveis do hospital Mulago, uma das maiores em Kampala, costumava tratar mais de cem pacientes LGBT+ por dia. Agora, menos da metade procura a clínica, disse o doutor Afunye Anthony Arthur.

“Os outros se escondem, então você tem que procurá-los”, disse ele.

Para tornar o atendimento mais seguro, a Ark Wellness Hub, uma clínica em Kampala, agora fica aberta até tarde da noite e oferece consultas particulares.

Embora três dos sete membros da equipe da clínica tenham sido despejados de suas casas, “você tem que encontrar uma maneira de seguir em frente com seu trabalho”, disse Brian Aliganyira, diretor executivo.

Algumas clínicas escondem lubrificantes ou usar eufemismos para se referir a eles. Em muitas clínicas, a equipe e os voluntários continuam a fornecer cuidados, gastando seu próprio dinheiro para entregar medicamentos.

Mesmo assim, centenas de pacientes desapareceram da Mulago e Ark Wellness.

Em uma entrevista, um homem gay de 32 anos disse que trabalhava no setor de calçados, mas foi forçado a deixar o emprego em julho depois de ser acusado de promover a homossexualidade. Ele foi diagnosticado com HIV em 2021 e tomou sua última pílula antirretroviral em 6 de dezembro.

Dois de seus amigos morreram em agosto de complicações relacionadas ao HIV depois de interromperem o tratamento. Mas ele ainda tem medo de ir a uma clínica: outro amigo foi apedrejado até a morte em sua vila depois que um conhecido o reconheceu no transporte público.

A criminalização da homossexualidade é um resquício do colonialismo e coloca Uganda em descompasso com o resto do mundo, disse Matthew Kavanagh, diretor da Iniciativa de Política e Política de Saúde Global da Universidade de Georgetown.

O Plano de Emergência do Presidente para o Alívio da Aids fornece mais de US$ 400 milhões em financiamento para o HIV a Uganda a cada ano. Mais de 96% disso é implementado por organizações fora do governo ugandense.

Agora, a administração Biden redirecionou US$ 5 milhões do restante para longe do governo, disse Popp.

A partir de 1º de janeiro, os Estados Unidos retiraram o acesso de Uganda à Lei de Crescimento e Oportunidades da África, que proporciona acesso livre de impostos ao mercado dos EUA. Washington também sancionou Johnson Byabashaija, comissário-geral do Serviço Prisional de Uganda, por tortura e violações dos direitos humanos.

Mas Kavanagh e outros especialistas disseram que a administração Biden poderia fazer mais para impor sanções financeiras ou pressionar o governo ugandense a revogar a lei.

Fonte: Folha de São Paulo

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