Apenas um dia após um projeto polêmico sobre deportação de imigrantes avançar na Câmara baixa do Parlamento do Reino Unido, o premiê Rishi Sunak, que tem a medida como bandeira de campanha, disse que vai ignorar qualquer entrave ao plano que possa ser colocado em prática pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos.
“Fui muito claro mais de uma vez: não vou permitir que um tribunal estrangeiro nos impeça de realizar voos e colocar essa medida em funcionamento”, afirmou o líder conservador a jornalistas durante uma entrevista coletiva em Londres nesta quinta-feira (18).
Na prática, o plano de Londres para o assunto estabelece que todos os solicitantes de asilo que chegaram ao Reino Unido de forma ilegal a partir de 1º de janeiro de 2022 poderiam ser deportados para Ruanda, país no centro da África com baixos indicadores socioeconômicos.
A Suprema Corte britânica decretou o plano ilegal no final do último ano com base na premissa de que, uma vez em Ruanda, solicitantes de refúgio poderiam ser deportados para seus países de origem —onde, em teoria, eram perseguidos—, colocando-os em perigo e contrariando o que diz o direito internacional sobre o tema do refúgio.
Para tornar o projeto mais palatável, o governo o reescreveu, mas sem alterar nenhum pilar central. Primeiro, colocou na nova versão uma declaração de que Ruanda deve ser considerada um país seguro. Segundo, ordenou que tribunais britânicos ignorem algumas leis de direitos humanos, nacionais e internacionais, ao analisar esse texto.
Para se tornar lei, o projeto precisa ser aprovado nas duas Casas do Parlamento britânico (a Câmara Comuns e a Câmara dos Lordes). A primeira Casa, a despeito de conflitos dentro do próprio Partido Conservador, de Sunak, aprovou o projeto nesta quarta-feira (17). Agora o material está nas mãos dos lordes britânicos.
Falando nesta quinta-feira, o primeiro-ministro instou a Câmara alta a aprovar a medida, que ele descreve como uma “prioridade de urgência nacional”. Ele pede que a Câmara aprove a legislação sem emendas e o mais rápido possível, para que possa começar os voos de deportação.
A Câmara dos Lordes britânica não é composta por membros eleitos de forma democrática pela sociedade, mas sim ocupada por aqueles que possuem um título de nobreza no país europeu.
Mais do que no Parlamento, o temor do governo está na repercussão que o plano pode ter no Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Foi essa corte, afinal, que em 2022 barrou o primeiro voo que o governo (então chefiado por Boris Johnson) tentava enviar com migrantes deportados após receber aval de uma corte de Londres.
O Tribunal de Direitos Humanos foi criado no final da década de 1950, com uma larga participação britânica nas negociações, para decidir sobre acusações de indivíduos ou Estados sobre violações de direitos humanos estabelecidas na Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
As decisões são vinculativas para os 46 Estados-membros do Conselho da Europa, uma organização não relacionada à União Europeia, bloco que o Reino Unido abandonou em 2020, e da qual Londres faz parte. O governo britânico poderia recorrer de qualquer decisão do tribunal, abrindo uma batalha legal que pode levar anos.
Também poderia, em medida mais abrupta, abandonar o tribunal baseado em Estrasburgo. Mas uma medida do tipo desencadearia desavenças entre os próprios conservadores, uma vez que alguns já manifestaram serem contrários à saída do tribunal.
A corte de Estrasburgo também é largamente conhecida por ter de repetidas vezes cobrar os Estados-membros a cumprirem as suas decisões, já que os governos normalmente postergam para colocar em prática o que foi ditado no tribunal internacional.
O principal fluxo de migração que chega ao Reino Unido é o que ocorre por meio do Canal da Mancha, que separa o país da França.
Segundo dados oficiais, mais de 29,4 mil pequenos barcos com migrantes cruzaram esse braço de mar em direção ao território britânico em 2023. Foi o ano anterior, 2022, no entanto, que registrou cifra recorde, com mais de 45,7 mil barcos.
A diminuição de um ano para outro tem sido usada pela premiê Rishi Sunak como argumento para alegar que sua campanha contra a imigração feita de forma ilegal já tem surtido efeito mesmo antes de terem início os voos de deportação para Ruanda que almeja.
Espera-se que o país vá as urnas ainda neste 2024, possivelmente entre os meses de setembro e novembro. De qualquer modo, o Partido Conservador, no poder, tem até janeiro de 2025 para realizá-las.