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Equador: Entenda como prisões foram dominadas por facções – 17/01/2024 – Mundo

A ministra das Relações Exteriores do Equador, Gabriela Sommerfeld, afirmou no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, que o país sul-americano “ficou paralisado” devido à atual situação de insegurança causada pela violência do crime organizado.

Cerca de 20 grupos criminosos semeiam o terror no Equador em represália à política linha-dura do governo para combater o crime em um país que até poucos anos atrás era considerado tranquilo.

“O país ficou paralisado pelo medo e pela falta de oportunidade”, disse na quarta (16) a chanceler, que tentava explicar a um grupo de líderes políticos e empresariais a origem da onda de violência que deixou ao menos 19 mortos no país.

A crise de segurança que o Equador enfrenta desde 9 de janeiro foi deflagrada pela fuga de um dos mais temidos chefões do narcotráfico, Adolfo Macías, conhecido como “Fito”, de sua prisão em Guayaquil, a maior cidade do país. Na sequência, vieram motins nos presídios, sequestros de policiais e ataques com explosivos.

Veja a seguir quatro fatores que ajudam a entender como as prisões do Equador acabaram sob o poder das máfias.

1) ‘Frankensteins do Estado’

Há alianças entre os presos e alguns policiais. A troca de informações por privilégios nas prisões quebrou os códigos da máfia, como o de não delatar, o que acirrou ainda mais as rivalidades entre as gangues.

“Pessoas como Fito, Rasquiña [ex-líder de Los Choneros morto em 2020] e qualquer outro líder de gangue são Frankensteins do Estado, são o produto do Estado e do tráfico de drogas”, disse à agência de notícias AFP Jorge Núñez, antropólogo equatoriano da Universidade de Amsterdã.

Suítes, boates, piscinas e galos de briga são alguns dos luxos dentro das penitenciárias. O líder criminoso Fito até gravou um vídeo em sua homenagem na prisão de onde escapou horas antes de uma operação para transferi-lo para outra mais segura.

“Essas pessoas vêm de economias ilegais, mas no final adquirem poder ao entrar em contato com […] a inteligência policial”, acrescenta Núñez, também especialista do centro etnográfico Kaleidos.

2) Corrupção

Para Alexandra Zumárraga, ex-diretora de reabilitação social, outro golpe no frágil sistema carcerário foi o empoderamento de agentes policiais corruptos no controle do acesso às penitenciárias.

Um exemplo disso é o caso “Metástase”, que revelou ligações entre o traficante de drogas Leandro Norero —assassinado em 2022 numa prisão— com políticos, juízes, policiais, promotores e um ex-diretor do Snai (Serviço Nacional de Atenção a Presos), o órgão responsável pelas prisões no Equador.

Durante o governo de Lenín Moreno (2017-2021), o Ministério da Justiça e Direitos Humanos, que administrava as prisões, foi excluído. As autoridades então criaram o Snai, que não conseguiu conter a violência apesar dos estados de exceção que permitem a militarização das prisões.

“Isso aproximou muito mais a polícia das máfias do tráfico”, diz Zumárraga. “O Estado perdeu totalmente o controle das prisões, nem mesmo os guias [penitenciários] estavam entrando lá”, acrescenta.

Segundo Zumárraga, em mais de uma dúzia de massacres, o Ministério Público não investigou quem permitiu a entrada nas prisões de fuzis modernos, granadas e de milhares de cartuchos de munição.

3) Uma questão de sobrevivência

Uma prisão equatoriana é quase uma sentença de morte. Quem entra por delitos não relacionados ao crime organizado acaba morto em massacres ou se junta a gangues para sobreviver. O ritmo lento da Justiça também superlota as prisões.

Em alguns dos massacres em presídios, que estão entre os piores da América Latina, houve “casos de pessoas que já tinham [o direito a] um mandado de soltura, mas as autoridades não o emitiram e elas foram massacradas”, diz Zumárraga.

Os prisioneiros também acabam tatuados com os símbolos das gangues que controlam seus pátios e depois são mortos por seus rivais. Núñez, que pesquisa o sistema penitenciário desde 2004, explica que um prisioneiro ou sua família deve pagar às gangues cerca de US$ 240 (R$ 1.176) por mês para ter “segurança”.

Nas prisões, as organizações também recrutam novos membros e, assim, expandem suas economias ilegais.

4) Prisões militarizadas

Diante do ataque do tráfico de drogas, o presidente Daniel Noboa declarou um “conflito armado interno”, classificou as gangues criminosas como “terroristas” e mobilizou milhares de militares.

Antes considerado uma ilha de paz entre a Colômbia e o Peru —os maiores produtores de cocaína do mundo— o Equador passou de quatro organizações do narcotráfico na década de 1990 para mais de 20 em 2023, ligadas a cartéis mexicanos, colombianos e dos Bálcãs, de acordo com a Presidência.

A luta contra as drogas incluiu a militarização das prisões e dos bairros pobres. Imagens das Forças Armadas mostram prisioneiros desfilando seminus, com as mãos amarradas e cercados por soldados. Até mesmo vídeos de espancamentos e humilhações circulam.

“Se outros países da região nos ensinaram alguma coisa, é que a militarização só gera mais violência, e as únicas pessoas afetadas pela militarização são os cidadãos comuns”, diz Núñez.

Frequentemente comparado ao presidente salvadorenho, Nayib Bukele, Noboa planeja construir prisões em seu próprio estilo, contratadas pela mesma empresa. As organizações de direitos humanos estão se concentrando no respeito às garantias fundamentais dos prisioneiros.

Fonte: Folha de São Paulo

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