Os influentes eleitores evangélicos de Iowa, nos Estados Unidos, já foram absolutamente indiferentes a Donald Trump. Mas, se as pesquisas mais recentes estiverem corretas, eles podem dar uma vitória ao ex-presidente americano nesta segunda-feira (15), quando tem início o processo para definição do candidato republicano às eleições presidenciais, com a realização de primárias no estado do Meio-Oeste americano.
Mas então, o que mudou? Na última semana, um vídeo bombástico, mesmo para os padrões de Trump, ganhou força nas redes. O título: “God Made Trump” (Deus criou Trump, em português). “Deus olhou para o Seu projeto de Paraíso e disse: ‘Preciso de um zelador'”, entoa uma narração sobre uma melodia de piano minimalista. “Então Deus Nos deu Trump.”
O ex-presidente, segundo o narrador, está cumprindo a vontade de Deus. Ele é “um pastor da humanidade” que irá “combater os marxistas” com “braços suficientemente fortes para lutar contra o Estado profundo”.
O vídeo é baseado em “So God Made a Farmer” (então Deus fez um agricultor), um discurso de 1978 do apresentador de rádio americano Paul Harvey que exalta as virtudes da vida rural americana simples.
Produzido de forma independente por um grupo que se autodenomina A Máquina de Guerra Online de Trump, o clipe começou a ganhar força há uma semana, quando Trump o compartilhou com milhões de seguidores em sua conta na rede social Truth Social. Imediatamente, o conteúdo enfureceu alguns líderes religiosos de Iowa.
“Ele não é o salvador”, disse Michael Demastus, pastor da Igreja de Cristo Fort des Moines, na capital do estado. “Nossa lealdade como evangélicos é a Jesus, não ao Partido Republicano ou a Donald Trump.”
Apesar da insistência de Demastus de que muitos eleitores concordam com ele e de que uma surpresa deve acontecer nesta segunda-feira, as pesquisas de opinião mostram uma história diferente —Trump a caminho de uma vitória devastadora sobre seus rivais republicanos.
O apoio evangélico é crucial em Iowa, e espera-se que os cristãos representem cerca de dois terços de todos os participantes das convenções republicanas.
Eles são um bloco eleitoral diversificado e composto por várias denominações, incluindo tanto frequentadores de igrejas mais tradicionais como outros que podem nem frequentar regularmente uma igreja, mas ainda assim se definem como evangélicos.
Em 2016, Trump conquistou apenas 22% deste grupo e ficou em segundo lugar nas primárias republicanas em Iowa, atrás de Ted Cruz, senador do Texas —que, tal como os vencedores republicanos anteriores no estado, fez da fé uma parte importante de sua campanha.
Mas desde aquele momento, quando muitos ainda estavam céticos com relação ao empresário nova-iorquino de fala franca perseguido por escândalos sexuais, Trump fez dos cristãos uma parte fundamental da sua base eleitoral. Neste caucus presidencial de Iowa, as pesquisas sugerem que ele obterá o apoio de cerca de metade dos eleitores evangélicos.
Steve Scheffler, um apoiador de Trump e presidente da influente Coalizão Fé e Liberdade de Iowa, diz que Trump defende a direita religiosa e que ela esperam que o ex-presidente faça o mesmo novamente, em um momento em que muitos consideram a eleição de 2024 como a mais importante de suas vidas.
“Os eleitores evangélicos sabem que vivemos em uma sociedade onde as coisas vão mal”, diz ele, mencionando questões de guerra cultural sobre identidade de gênero e “wokeness” —termo usado para descrever a consciência social em relação a questões como racismo, sexismo, homofobia etc. “Eles acreditam que as coisas estão muito ruins e que, se não se envolverem, vão piorar muito.”
Os opositores de Trump —especialmente o governador da Flórida, Ron DeSantis— esforçaram-se muito para ganhar o apoio dos eleitores religiosos. DeSantis, por exemplo, conquistou o cobiçado apoio de Bob Vander Plaats, chefe do The Family Leader, um grupo cristão conservador sem fins lucrativos.
Mas Scheffler argumenta que o endosso de grandes nomes não importa tanto. “É bom tê-los, mas eles não modificam resultados”. E Trump reagiu, colhendo seus próprios apoios e enviando representantes, como seu ex-secretário da Habitação Ben Carson, para visitar igrejas de Iowa.
Carson aludiu à imprevisibilidade de Trump ao defender seu ex-chefe em uma parada no estado na semana passada. “Você prefere ter alguém cuja língua talvez seja um pouco solta, mas que tenha políticas incrivelmente boas, que tornem sua vida melhor?”, ele perguntou à congregação. “Ou alguém que tem língua perfeita e diz todas as coisas certas, mas tem políticas terríveis que arruínam a sua vida e a dos seus filhos e netos?”
O autoproclamado evangélico conservador David Pautsch é um grande fã de Trump. O ex-presidente é parte da razão pela qual ele decidiu concorrer ao Congresso no primeiro distrito de Iowa, desafiando um candidato republicano da direita.
Pautsch mora em Davenport, uma cidade com cerca de 100 mil habitantes no leste de Iowa. Ele estava coletando assinaturas para respaldar sua campanha junto a centenas de moradores locais que enfrentaram o frio para visitar uma exposição de armas em um centro de convenções.
Alternando com facilidade citações a versículos bíblicos e mensagens de campanha de Trump, incluindo questões como imigração e a insistência do ex-presidente de que ele não perdeu as eleições de 2020, Pautsch chama as pessoas que criticaram o vídeo “God Made Trump” de “muito estressadas e literais”.
Os cristãos, diz ele, precisam exigir corajosamente que os valores religiosos conservadores sejam injetados no coração do governo americano. “Nosso país nunca foi feito para ser governado sem Deus”, afirma.
Kedron Bardwell, professor de ciências políticas do Simpson College, em Indianola, nos arredores de Des Moines, diz que Trump tem uma vantagem fundamental sobre seus rivais: um histórico que se alinha com as prioridades evangélicas.
A nomeação de três juízes conservadores para o Supremo Tribunal e a anulação do caso Roe vs. Wade, que durante décadas sustentou que existia um direito constitucional ao aborto, são uma parte fundamental desse histórico, tal como sua decisão de transferir a embaixada dos EUA em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.
Política e religião se fundem
Se as pesquisas se mostrarem corretas, outro fator crucial poderá ser a evolução do sentido do que significa ser evangélico, que está cada vez mais alinhado com o estilo de política conservadora particular de Trump.
Embora a frequência à igreja esteja em declínio há muito tempo em todo o país, de acordo com o Pew Research Center, o número de americanos brancos que se autodenominam “evangélicos” aumentou durante a presidência de Trump. E o grupo com maior probabilidade de começar a usar esse rótulo para se descrever foi o dos apoiadores do ex-presidente.
“De certa forma, ‘evangélico’ tornou-se mais um rótulo político do que uma descrição teológica”, diz Bardwell, que estuda religião e política e é ele próprio um membro de longa data da comunidade evangélica.
Ele descreve uma divisão cada vez maior, refletida na sociedade em geral, entre as elites da igreja e as massas. E diz que o declínio da frequência à igreja ao longo do tempo significa que muitos daqueles que se consideram religiosos são menos influenciados pelos líderes espirituais e mais pelos meios de comunicação e políticos de direita, sendo Trump o principal deles.
O ex-presidente refere-se regularmente a temas religiosos e raramente perde a oportunidade de afirmar que está sendo perseguido pelas autoridades. Bardwell diz que ele apelou particularmente aos evangélicos “guiados pelo espírito”, que veem o divino agindo no cenário político americano.
“Há uma parte da comunidade evangélica que se sente muito atraída pela ideia de que Deus sabe tudo e que Deus nomeia líderes”, diz ele. “Eles acreditam que Donald Trump é o líder nomeado neste momento.”
No domingo, a maioria das igrejas na cidade no leste de Iowa foram fechadas devido à tempestade de inverno que fez com que as temperaturas despencassem. Mas se os fiéis de Iowa ignorarem o frio e comparecerem em peso a favor de Trump na segunda-feira, representarão um fator decisivo na corrida republicana.
Este texto foi originalmente publicado aqui.