A denúncia da África do Sul à Corte Internacional de Justiça (CIJ) que acusa Israel de genocídio foi muito bem recebida pelos palestinos da Cisjordânia ocupada. À agência de notícias Reuters, muitos deles contaram enxergar o julgamento como uma oportunidade de responsabilizar Tel Aviv pelos excessos de sua campanha militar na Faixa de Gaza.
Em um comício na praça Nelson Mandela, em Ramallah, capital da Cisjordânia, o premiê da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mohammad Shtayyeh, disse que “Israel foi construída sobre os crimes que cometeu contra o povo palestino” antes de agradecer à África do Sul.
Enquanto isso, Bassam Zakarneh, membro do Fatah —partido que controla a ANP e rivaliza com o Hamas–, disse que as audiências realizadas na CIJ nos últimos dois dias servem como “um teste para a humanidade”.
Não são todos os palestinos, entretanto, que estão esperançosos. Issa Taamri diz acreditar que o caso provavelmente não impactará vidas na prática. O expansionismo dos israelenses na área ao redor de Belém, cidade onde Taamri mora, reduziu drasticamente, segundo ele, a área em que suas ovelhas podem pastar. “O mundo tem feito promessas há 75 anos, sem sucesso”, disse em referência ao ano de fundação do Estado israelense, 1948.
Depois de anos de violência crescente na Cisjordânia ocupada e de quase três meses de ações militares na Faixa de Gaza, Israel se vê diante dos juízes da CIJ, mais conhecida como Corte de Haia devido à cidade holandesa onde o tribunal mantém sede.
A ação tem origem em uma denúncia da África do Sul submetida no último dia 29 que acusa o Estado judeu de descumprir a Convenção Internacional contra o Genocídio, que define o termo como a “motivação para destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. Nesses casos, a “motivação” costuma ser o elemento mais difícil a ser provado nos tribunais internacionais.
O julgamento teve início na quinta-feira (11) e, nesta sexta (12), Israel teve um espaço formal para rebater as acusações sul-africanas diante da corte. O representante do Estado judeu foi Tal Becker, consultor jurídico de sua chancelaria, que disse aos juízes que os argumentos sul-africanos são baseados “em uma descrição da realidade deliberadamente montada” e afirmou que “se houve atos de genocídio, eles foram perpetrados contra Israel.”
Evidenciados nas audiências do tribunal, que continuaram nesta sexta (12), os laços entre Pretória e a Palestina não são óbvios.
O início da relação entre as partes remonta a 1990, ano em que o líder sul-africano Nelson Mandela foi solto após 27 anos de prisão. Duas semanas após sua libertação, Mandela viajou à Zâmbia para se reunir com líderes que apoiavam a luta contra o apartheid. Entre eles estava o ativista palestino Yasser Arafat, que, segundo relato da agência de notícias Associated Press (AP), fez questão de receber o líder sul-africano no aeroporto com um “abraço de urso”.
Em 1991, o regime político de segregação racial na África do Sul chegou ao fim. Três anos depois, Mandela foi eleito presidente da África do Sul. À época, o líder agradeceu à comunidade internacional pelo apoio e afirmou: “sabemos muito bem que nossa liberdade não está completa sem a liberdade dos palestinos”.
O país africano manteve sua posição pró-Palestina mesmo depois da morte da Mandela. Dias depois dos ataques de 7 de outubro, o neto do líder e também político Mandla Mandela afirmou: “Ficamos ao lado dos palestinos e continuaremos a fazê-lo”.
As sentenças da CIJ são definitivas, ou seja, não permitem apelações. Uma decisão sobre medidas cautelares a serem implementadas em Gaza deve ser proferida ainda neste mês.
Mas o tribunal, por ora, não deve se pronunciar sobre as acusações de genocídio —um julgamento sobre o tema pode se arrastar por anos.