Dentro do padrão bipolar que contamina qualquer discussão no Brasil, a posição de Iván Duque, presidente da Colômbia de 2018 a 2022, é atípica. Liberal na economia e eleito pelo Centro Democrático, partido que se autointitula de centro, mas é considerado de direita, Duque se estabeleceu na cena internacional pregando o “desmatamento zero” como caminho para deter as mudanças climáticas.
“Eu estou convencido que defesa do meio ambiente não tem ideologia. Quem ainda não vê a crise climática, para mim, é negacionista”, afirma ele.
Para Duque, apesar de o Brasil concentrar 60% da Amazônia, a defesa do imenso território da floresta só será possível quando houver uma força multinacional integrada por países da região para combater todas as formas de crimes ambientais, que hoje se entrelaçam com o narcotráfico. Além da Colômbia, também tem áreas com esse bioma Bolívia, Equador, Guiana, Peru, Venezuela e Suriname.
Duque foi o palestrante que encerrou a Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias, promovida em Belém, capital do Pará, pelo Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração). Na sequência, conversou com a Folha. Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista.
Para o sr., que conhece bem a Amazônia, qual seria a principal riqueza dessa região no século 21?
Ela faz com que o Brasil seja a grande superpotência mundial da biodiversidade e da conservação ambiental. Tenho a clareza de que ela torna o Brasil determinante na luta contra o aquecimento global. Sem a proteção, a preservação e a recomposição da Amazônia, o mundo não vai alcançar as metas do Acordo de Paris e, muito menos, atingir a neutralidade nas emissões.
Por isso, é prioritário que a agenda de conservação e reconstituição da floresta seja global. Se o desmatamento não for interrompido, a Amazônia pode deixar de atuar como um muro de contenção das mudanças climáticas e vai ser emissora de gases de efeito estufa.
Acho que o número mais contundente que eu posso apresentar para dimensionar o desafio é que nos últimos 40 anos a área de floresta encolheu o equivalente a uma França e uma Alemanha juntas.
O sr. mencionou na sua palestra que a Amazônia é vítima de um conflito entre desenvolvimento econômico e preservação…
É mais que isso. Estão na região comunidades muito pobres e vulneráveis que nos remetem ao dilema entre destruição e conservação. Cito destruição porque muitas dessas comunidades são persuadidas ou obrigadas a atuarem em atividades paralelas, garimpo ilegal, cultivos ilícitos, tráfico de drogas.
Como mostrar a elas que podem viver muito melhor na economia da conservação se resistirem à tentação dos ganhos com a economia ilegal? Eu acredito que a resposta está nas finanças verdes. Os créditos de carbono, os serviços ambientais ou ecossistêmicos são alternativas para dissuadir essas comunidades.
Mas, neste caso, é necessária a presença e forte atuação do Estado. O sr. vê alguma ação contundente do governo brasileiro?
Há uma realidade que não podemos ocultar. Estamos vendo a perda constante de floresta não apenas no Brasil, mas nos oitos países onde encontramos o bioma amazônico. Para salvar o planeta, não há outra alternativas que o desmatamento zero —e só teremos desmatamento zero se a gente combinar cenoura e garrote, como dizemos na Colômbia.
Cenoura para investimentos na economia da preservação. Garrote contundente contra a criminalidade.
É preciso atualizar a legislação. Em muitos desses países, delitos ambientais não têm pena de prisão. Precisa haver uma coordenação para que leis tenham efeito conjunto, até porque esses países são fronteiriços. O garimpo ilegal se entrelaça com o narcotráfico atravessando as fronteiras. Essa nova economia depende do império da lei.
Como seria essa ação conjunta mais eficiente?
A força pública precisa atuar com mais densidade no bioma amazônico. Mas força pública não é a única solução. É preciso fortalecer ações de inteligência. Um exemplo é o uso de satélites em tempo real para identificar transporte ilegal de produtos da floresta ou desmatamentos pontuais. Fazer testes químicos constantes nos rios, para monitorar substâncias nocivas como o mercúrio.
Mas, como temos crimes transnacionais, eu defendo uma governança amazônica. O tratado de cooperação assinado em 1978 é muito interessante, bonito, contou com muitos anúncios e declarações, mas precisamos de um pacto que transforme da região amazônica numa prioridade para os oito governantes da região.
No sentido prático, essa prioridade requer uma espécie de força multinacional enfrentando o crime organizado na região.
Como defender e integrar as comunidades indígenas?
Essa é uma questão importante e afeta especialmente o Brasil, porque ele concentra a maior população indígena do bioma. São cerca de 600 mil indígenas.
Eles precisam ser reconhecidos como protetores e guardiões do bioma —e remunerados por isso. Se fala muito sobre projetos de economia verde, mas o dinheiro não chega para eles. Eles precisam, de verdade, serem parte desses projetos.
Durante o seu governo, por dois anos, 2019 e 2020, a Colômbia foi apontada como líder no assassinato de ambientalistas. O que ocorreu naquele momento?
Primeiro, eu quero dizer que rechaço qualquer tipo de assassinato, contra qualquer corrente. Quem utilizou aquelas tragédias para me atacar politicamente, agora se cala, porque líderes sociais continuam sendo assassinados na Colômbia.
Isso é muito triste, porque eles estão entre as vítimas do narcotráfico, e também do garimpo ilegal, do contrabando de madeira, do tráfico de espécies nativas.
Foi por isso que particularmente lutei contra os cartéis de drogas e seus cabeças, e conseguimos prender um dos maiores assassinos de líderes sociais, Otoniel [Dairo Antonio Úsuga, líder do Clã do Golfo, capturado na Colômbia em 2021 e, neste ano,] condenado nos Estados Unidos a 45 anos. Me preocupa que hoje o governo da Colômbia seja permissivo com o crime organizado.
Quando o sr. foi presidente, viabilizou a legalização da exportação de flor da maconha. Neste momento, o Supremo Tribunal Federal do Brasil julga a descriminalização do porte de maconha para consumo próprio. Qual a sua posição sobre a maconha?
Nós atuamos pela Cannabis medicinal. Para que essa planta tenha os efeitos medicinais requeridos precisa passar por um intenso processo industrial. Ou seja, depende de altos investimentos por ser um processo farmacêutico. Não é algo que qualquer um faça no jardim de sua casa.
Fizemos uma legislação para a exportação da flor seca, e isso também depende de investimentos, porque a flor precisa passar por processos químicos. Fizemos apostas em um setor farmacêutico.
Agora, no que se refere ao consumo recreativo da maconha, eu sou contra. Não é sectarismo, mas eu acredito que é preciso considerar a realidade. Quando o adolescente de uma família vulnerável cai nas drogas, é a ruína para essa família. Se o jovem é de classe média ou alta, pode buscar a reabilitação.
Na sua apresentação, o sr. falou que a discussão ambiental não é de direita ou de esquerda, mas aqui no Brasil ela ficou dividida pelo espectro político. O que sr. diria aos conservadores que se opõem à preservação ambiental e alegam que não existe mudança climática?
Muita gente me qualifica como de extrema direita para me atacar, mas eu sou de extremo centro, e sou ambientalista de consciência e de coração. Eu estou convencido que defesa do meio ambiente não tem ideologia. Quem ainda não vê a crise climática, para mim, é negacionista.
O governo anterior, de Jair Bolsonaro, era de direita, e o atual, de Luiz Inácio Lula da Silva, é de esquerda. Qual o paralelo que o sr. faz sobre as duas gestões na área ambiental?
Eu tenho uma visão que pode ser controversa. O governo Bolsonaro assinou o Pacto de Leticia [acordo de cooperação para ações para proteção da Amazônia]. Trabalhei com a ministra da Agricultura Tereza Cristina na estratégia para a agricultura de baixo carbono, e com o Ministério do Meio Ambiente em ações de proteção de corais e da floresta. Então, eu seria um mentiroso se não reconhecesse que trabalhei muito bem com o governo Bolsonaro.
O governo do presidente Lula tem um discurso ainda mais forte e celebro essa posição, porque precisamos muito do Brasil na defesa da Amazônia.
RAIO-X
Iván Duque, 47
Advogado e ex-senador, foi presidente da Colômbia de 2018 a 2022. Foi porta-voz do “não” no plebiscito sobre os Acordos de Paz no país. Com posições liberais na economia, foi eleito pelo Centro Democrático, partido que se define como de centro, mas é considerado de direita.
A repórter viajou a convite do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração).