O juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos Clarence Thomas, em seu formulário anual de divulgação financeira divulgado na quinta-feira (31), respondeu detalhadamente a relatos de que ele havia deixado de divulgar viagens de luxo, voos em jatos particulares e uma transação imobiliária com um bilionário do Texas.
Em uma medida incomum, o magistrado incluiu declaração defendendo suas viagens com o bilionário Harlan Crow, que fez doações para causas conservadoras, e incluiu formulários anteriores que haviam “omitido inadvertidamente” informações. Embora Thomas tenha relatado três viagens feitas no último ano no jato particular de Crow —a primeira vez em quase duas décadas que ele divulgou tais presentes e viagens— o formulário não parecia ser abrangente.
O reconhecimento ocorre quando a Suprema Corte enfrenta um escrutínio crescente sobre as transações financeiras dos juízes após uma série de relatos destacarem as poucas exigências de divulgação em vigor e como elas muitas vezes são deixadas a cargo dos próprios juízes.
Legisladores renovaram seus apelos por um código de ética mais rigoroso após revelações de que Thomas e o juiz Samuel Alito haviam acompanhado bilionários em férias luxuosas, mas não relataram essas viagens. Embora os magistrados, como outros juízes federais, sejam obrigados a apresentar relatórios anuais que documentam seus investimentos, presentes e viagens, eles não estão sujeitos a normas éticas vinculantes.
Os juízes apresentam os formulários financeiros no primeiro semestre do ano, e a maioria foi divulgada no início de junho. Mas Thomas e Alito solicitaram prorrogações de 90 dias, e os formulários de ambos foram divulgados na quinta-feira.
Em sua divulgação, Thomas abordou sua decisão de voar no jato particular de Crow em uma ocasião, sugerindo que havia sido aconselhado a evitar viagens comerciais após o vazamento de rascunho de documento interno da corte que sugeria o fim do direito constitucional ao aborto.
“Devido ao aumento do risco de segurança após o vazamento, os voos de maio foram de avião particular para viagens oficiais, conforme recomendado pela equipe de segurança do declarante, sempre que possível”, escreveu.
Um porta-voz do tribunal não respondeu a um pedido de comentário sobre se os juízes foram incentivados a voar em jatos particulares após o vazamento do documento. Clarence Thomas relatou pela primeira vez viagens em jatos particulares na década de 1990, e mesmo quando essas divulgações diminuíram até meados dos anos 2000, ele continuou a fazer tais viagens ao longo de décadas.
A natureza do relacionamento de décadas de Thomas com Crow tem suscitado perguntas depois que o si te ProPublica descreveu a extensão de sua generosidade e a falha do juiz em divulgá-la. Crow tratou o juiz com uma série de viagens luxuosas, incluindo voos em seu jato particular, passeios de ilha em seu iate e férias em sua propriedade nas montanhas de Adirondacks. Crow também comprou a casa da mãe do juiz em Savannah, Geórgia, e cobriu parte da mensalidade da escola particular do sobrinho-neto do juiz.
Alito, por sua vez, reconheceu em junho que havia feito um voo em uma aeronave fornecida por Paul Singer, um bilionário do setor financeiro, durante uma viagem de férias em 2008 para um luxuoso chalé de pesca no Alasca.
Ambos os juízes insistiram que esses presentes e viagens não precisavam ser relatados na época.
Alito, defendendo suas ações no jornal The Wall Street Journal, escreveu que não era obrigado a relatar a viagem porque “os juízes costumavam interpretar essa discussão de ‘hospitalidade’ como se acomodações e transporte para eventos sociais não fossem presentes reportáveis”. Além disso, acrescentou, o voo particular era “transporte para um evento puramente social”.
Em março, a Conferência Judicial dos Estados Unidos, o órgão responsável pela formulação de políticas para os tribunais federais, anunciou uma mudança nas regras para relatar presentes e viagens, incluindo a exigência de divulgação de voos em jatos particulares.
De acordo com as regras anteriores, Thomas escreveu em seu relatório que havia sido aconselhado de que não precisava divulgar “presentes recebidos como hospitalidade de qualquer indivíduo”. O magistrado acrescentou que havia “seguido as regulamentações judiciais então existentes, assim como seus colegas haviam feito, tanto na prática quanto em consulta com a Conferência Judicial”.
Mas ele disse que havia procurado orientação de um advogado e “continua trabalhando com funcionários da Suprema Corte e a equipe do comitê para orientação sobre se ele deve ajustar ainda mais seus relatórios de anos anteriores”.
Ainda assim, Thomas não abordou outras generosidades que recebeu.
Além de Crow, outros amigos endinheirados que receberam Thomas incluem David L. Sokol, o ex-herdeiro aparente da Berkshire Hathaway, empresa sob comando do investidor Warren Buffett. Outro, Anthony Welters, financiou, pelo menos em parte, a compra de US$ 267.230 do motorhome do juiz, um Prevost Marathon de 12 metros que Thomas disse permitir que ele escape da “maldade que se vê em Washington”.
Nem o pagamento de Crow pela mensalidade da escola particular do sobrinho-neto do juiz nem o motorhome de Thomas são mencionados em seu formulário de divulgação.
O magistrado também reconheceu erros em seus relatórios financeiros anteriores, incluindo contas bancárias pessoais, uma apólice de seguro de vida para sua esposa e o nome de uma propriedade imobiliária pertencente à família dela. Ao relatar o negócio imobiliário com Crow, o juiz da Suprema Corte escreveu que havia “falhado inadvertidamente em perceber” que a transação, uma venda de uma casa unifamiliar e dois lotes vazios em uma rua tranquila em Savannah, em 2014, precisava ser relatada.
Das quatro viagens listadas por Thomas em 2022, ano coberto pelo formulário, três foram compromissos de palestras. O trecho de retorno de uma delas exigiu viagem privada, disse o juiz, devido a uma “tempestade de gelo inesperada”. A quarta, de julho de 2022, foi para a propriedade de Crow nas montanhas de Adirondacks.
O advogado de Thomas, Elliot S. Berke, disse em comunicado nesta quinta-feira que havia revisado os registros do juiz e estava “confiante de que não houve transgressão ética intencional e quaisquer erros de relatórios anteriores foram estritamente inadvertidos”.
Berke acusou “grupos de vigilância de esquerda” de atacar o magistrado por “supostas violações éticas em grande parte decorrentes de seus relacionamentos com amigos pessoais que também são ricos”.