Se a Guerra da Ucrânia trouxe notícias mais favoráveis a Vladimir Putin, sua entrevista coletiva e sessão de perguntas com cidadãos selecionados anual provou que o presidente russo está sendo assombrado por outro problema: a inflação do ovo.
“A demanda cresceu, era uma proteína relativamente barata popular entre os cidadãos. Eu mesmo como ovos mexidos com prazer. Eu podia comer até dez ovos na manhã”, afirmou, respondendo a uma questão gravada em vídeo.
Nela, uma mulher dizia: “Dez ovos custam entre 120 e 180 rublos (R$ 6,50 a R$ 9,80) onde eu moro. Quando tivemos preços tão altos? Valdimir Vladimirovitch, coloque as coisas em ordem, tenha pena dos aposentados”, afirmou ela, usando o prenome e o patronímico (“filho de Vladimir”) de Putin, a forma usual de se dirigir a outra pessoa na Rússia.
Não é questão trivial. Segundo dados do Serviço Federal de Estatísticas da Rússia, o preço do produto subiu 40,29% em novembro, em comparação com o mesmo mês do ano passado. A inflação geral, que está alta, chegou a 7,45% e Putin disse temer que ela fique “acima de 8%”.
O russo deverá se reeleger em março, numa eleição em que não terá concorrentes viáveis, mas o Kremlin foca na manutenção de seus índices de popularidade acima de 80%, mesmo segundo institutos independentes.
No Brasil, dez ovos saem por entre R$ 10 (normais) e R$ 15 (caipiras), em redes de supermercado. Na Rússia, a aumento do consumo levou à situação atual, com o governo autorizando importação do produto da Turquia e estudando um veto à exportação de ovos. A situação se agrava também porque o ovo é ingrediente central em diversos pratos sazonais do fim do ano no país, como maionese.
“Eu falei com o ministro da Agricultura sobre como estavam as coisas com os ovos. Ele disse que estava tudo ótimo”, brincou de forma machista Putin, aludindo ao fato de que ovos são sinônimo de testículos no país, e a plateia de 600 jornalistas caiu na risada.
A dieta de Putin, um dos líderes mais opacos do mundo, é um segredo de Estado. Aqui e ali ele revelou, ao longo dos anos, gostar de omeletes e ovos crus, de galinha e de cordorna, pela manhã. Isso combina com sua imagem atlética, dada a alto consumo protéico como ocorre entre frequentadores de academia, ainda que ele aos 71 anos não se veja mais tanto o presidente se exercitando sem camisa como antes.
Apesar de a guerra ser o centro da entrevista, houve outros temas colocados. Putin elogiou a Turquia por seu papel crítico a Israel no conflito em curso em Gaza e falou muito de economia. Afirmou que a Rússia resistiu às sanções, lembrando que o país vai crescer 3,5% neste ano, mas reclamou da inflação e apontou problemas cambiais.
A um repórter do The New York Times, a quem deu a palavra depois de cortá-la em favor de um jornalista da agência chinesa Xinhua, disse que espera que haja um acordo de troca de prisioneiros para libertar um jornalista e um militar americanos presos na Rússia.
Ao fim, houve um momento insólito, quando um jovem de São Petersburgo questionou o presidente sobre inteligência artificial. Só que a pergunta foi feita por um Putin em modo “deepfake”, uma montagem elaborada por computador. O russo respondeu que é impossível controlar o desenvolvimento do setor e que quer ver seu país líder.