O clima já não era dos melhores, mas azedou mais ainda diante de respostas vistas como ensaboadas —ou, para os críticos mais ferrenhos, como hipócritas.
Convocadas ao Congresso dos Estados Unidos na semana passada, as reitoras das universidades Harvard, MIT e da Pensilvânia —três das mais prestigiosas do país— se recusaram a dar uma resposta curta à pergunta sobre se pregar o genocídio de judeus feria os códigos de conduta de suas instituições. E se estudantes que o fizessem seriam punidos.
Claudine Gay, de Havard, Liz Magill, da Pensilvânia, e Sally Kornbluth, do MIT, deram respostas que, com variações, diziam algo semelhante: depende do contexto.
Os republicanos, junto a doadores das instituições e outros agentes —além de alguns democratas—, passaram a pedir a cabeça das três. E críticas passaram a acusá-las de fazer vista grossa para supostos defensores do Hamas.
Até agora, só Liz Magill renunciou, no sábado (9). Claudine Gay, que chegou a ser acusada de plágio em veículos conservadores, balançou —mas o conselho de Harvard resolveu mantê-la no cargo.
Entidades que monitoram a liberdade de expressão nos campi americanos têm dito que o trio respondeu corretamente, ainda que não do jeito mais esperto sob o ponto de vista das relações públicas. Mas, mesmo entre esses grupos, há aqueles que apontam que tais instituições vêm adotando dois pesos e duas medidas.
Harvard, por exemplo, removeu um professor de direito do cargo de coordenador em 2019, depois que ele passou a compor o time de defesa do ex-produtor Harvey Weinstein. Já o MIT, em 2021, cancelou uma palestra de um geofísico famoso, citando a posição crítica do pesquisador às ações afirmativas.
A Fundação pelos Direitos Individuais e de Expressão (Fire, na sigla em inglês), que atua na área, realiza um ranking sobre a liberdade nessas instituições —Harvard e a Universidade da Pensilvânia ocupam, respectivamente, o último e o penúltimo lugares da lista. O MIT surge na posição 132, num total de 248.
“Há vários casos de censura a estudantes e professores por algo que disseram e que, comparados aos casos de agora, parecem até suaves”, diz Aaron Terr, um dos diretores da Fire. “Então há a percepção de que as reitoras estão sendo hipócritas. As pessoas [críticas às reitoras] identificaram corretamente o problema, mas a solução que pedem é errada. Querem corrigir os dois pesos e duas medidas aumentando a censura.”
A fundação vê os direitos de expressão sob o prisma da Primeira Emenda da Constituição dos EUA, que cria um espaço de extrema liberalidade para o discurso —uma posição que vem se tornando, ao longo dos anos, alvo de mais e mais críticas, sobretudo entre a esquerda.
Pela carta magna americana, mesmo o discurso de ódio é protegido, desde que não cruze a linha para ações violentas, incitação da violência ou ameaças.
O entendimento sobre incitação foi pacificado pela Suprema Corte em 1969, no julgamento Brandenburg vs. Ohio, em que o tribunal reverteu a condenação de um líder da Ku Klux Klan. Em um evento dos supremacistas brancos, eles tinham se referido a judeus e negros com expressões racistas e prometido marchar sobre o Congresso.
Curiosamente, a reitora da Universidade da Pensilvânia, Liz Magill, pareceu se referir a esse mesmo enfoque quando, ao ser questionada por uma parlamentar republicana, disse que pregar o genocídio de judeus vai contra o código de conduta da instituição “se esse discurso se transformar em ações”.
Um dia depois, Magill fez um pronunciamento para justificar a posição. “Há décadas, as normas da universidade são guiadas pela Constituição e pela lei”, disse ela, acrescentando um “porém”. “No mundo de hoje, em que vemos sinais de ódio se proliferando, essas normas precisam ser esclarecidas e avaliadas.”
Em um processo rumoroso e ainda sem conclusão, que antecede a polêmica de agora, a universidade vem tentando punir uma professora acusada de ter opiniões racistas. A docente tem estabilidade profissional e não poderia ser demitida.
Apesar do apoio de alguns democratas nos ataques às reitoras, há quem veja incoerência republicana na cruzada. Afinal, com a ascensão de radicais de direita nos Estados Unidos nos últimos anos, não é incomum grupos conservadores flertarem com teorias antissemitas —como a da “grande substituição“, que, em algumas versões, vê uma conspiração judaica para transformar os brancos em minoria nos países ocidentais.
A parlamentar republicana Elise Stefanik, de Nova York, que protagonizou o embate mais duro com as reitoras no Congresso, é uma que já foi acusada de flertar com essa teoria.
“É uma hipocrisia monumental”, diz Thomas Wallen, professor da Universidade de Boston. “É a política de campanha eleitoral dos republicanos para 2024. São acusações sem sentido, ataques injustos, uma continuação da guerra cultural que eles acham que funciona.”
Toda essa confusão acontece num contexto de aumento dos manifestações contra a operação militar israelense na Faixa de Gaza, depois dos ataques do Hamas em 7 de outubro, além de atos a favor do Estado judeu.
Aaron Terr, da Fire, diz acreditar que esse contexto inflamado deu sim origem a casos preocupantes de antissemitismo —mas acha que, em paralelo, críticas ao governo israelense podem ser confundidas injustamente como tal.
“Esse é o problema de empoderar administradores universitários. Há um risco de cercear o debate político se esses funcionários recebem o poder de aplicar regras vagas sobre liberdade de expressão.”